Terça-feira (09) da terceira semana da quaresma. Hoje estamos diante de um dos maiores desafios da vida cristã: o exercício do perdão. Não se trata de algo assim tão fácil. Temos muita dificuldade de praticar o perdão. Nem sempre, perdoamos como se devia. Por mais que digamos frequentemente, que perdoamos, não é isso que acontece na prática. Ficamos com certo ressentimento, mágoa e até um rancor dentro de nós. Ficamos, muitas vezes, remoendo no nosso intimo, a situação que não deveria permanecer ali, naquele espaço da nossa consciência.
Perdoar não é de todo fácil mesmo! Perdoar é um processo. É um exercício que vamos aprendendo a dominar no nosso interior. Trata-se de dar um passo mais além e sair de nós mesmos. Exige de cada um nós, um esforço muito grande, que precisamos estar cientes, de que há uma caminhada a ser feita. Apesar do perdão, estar ligado a alguém fora de nós, também há aquela situação da pessoa, que não consegue perdoar a si mesma. Se não somos capazes de perdoar a nós mesmos, dificilmente seremos capazes de perdoar o outro que errou. Trata-se, portanto, de algo que precisamos ir amadurecendo dentro de nós mesmos.
No Evangelho de hoje vemos Pedro fazendo exatamente esta pergunta à Jesus: “Senhor, quantas vezes devo perdoar, se meu irmão pecar contra mim? Até sete vezes?”. (Mt 18,21) Ao fazer este tipo de pergunta, Pedro dá mostras de que estava com dificuldades de perdoar. Pedro representa cada um de nós, quando nos deparamos com certas situações que também temos extrema dificuldade de perdoar. Há certas situações que ficamos nos perguntando: será que devo perdoar fulano, diante desse seu erro cruel?.
Perdoar não é esquecer o que de errado uma determinada pessoa possa estar cometendo. Todavia, uma coisa que precisa ficar clara para nós: precisamos aprender a distinguir a pessoa que erra do erro que ela cometeu. Em outras palavras, é preciso separar a pessoa do possível erro que ela tenha cometido. Neste sentido, devemos condenar o erro e não a pessoa que errou. É aqui que reside a nossa maior dificuldade. Um exercício muito difícil de ser praticado por nós. Geralmente colocamos os dois na mesma bacia e jogamos fora. Aqui, me lembro de uma situação que vivi. Estávamos fazendo uma formação e num dado momento, tive uma discussão bastante acirrada com um grande amigo meu. Num dos intervalos desta formação, uma pessoa me procurou e perguntou se não éramos amigos, dada o calor da nossa discussão. Foi quando eu disse para esta pessoa que, em momento algum, eu havia ofendido ao meu amigo, e nem ele a mim. O que estávamos discutindo eram ideias, pontos de vistas diferentes.
Saber perdoar é um gesto muito nobre do cristão, seguidor de Jesus de Nazaré. É um gesto revolucionário, pois, quando somos ofendidos com o erro do outro, a primeira reação que manifesto, é devolver na mesma moeda, numa reação imediata. Dentre os ensinamentos de Jesus, aqueles relacionados ao perdão estão entre os mais revolucionários que impactam diretamente na história do pensamento humano. Ele não somente falava do perdão, como ainda o demonstrava, inclusive para com aqueles que o haviam torturado e crucificado: “Perdoai-os, Pai, porque eles não sabem o que fazem” (Lc 23,34). Da mesma forma ELE exige de seus seguidores, que tinham dificuldade de perdoar como Pedro: “Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete”. (Mt 18, 21-22) Ou seja, Jesus demonstra que o perdão não pode ser apenas em momentos pontuais, mas deve ser sempre e infinitamente.
Perdoar nos dignifica e faz acontecer um gesto nobre de amor de quem está em paz consigo mesmo. Perdoar faz um bem danado a quem é capaz de tal gesto sincero. Entretanto, só podemos expressar o nosso perdão, se temos a paz interior que nos leva a não agir na mesma proporção daquele que errou. Perdoar sempre, mesmo que nos pareça uma tarefa difícil. Pelo menos é assim que rezamos na oração que o próprio Jesus nos ensinou a rezar: “Perdoai as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido.” (Mt 6,12) Repetimos exaustivamente esse mantra, muito embora, estamos ainda muito distantes desta oração que rege a nossa vivência cristã.
Finalmente, não é porque somos capazes de perdoar que vamos relaxando e fazendo vistas grossas com aqueles que erram. Não! Definitivamente, não! O pecado, o erro, precisa ser condenado. Desta forma, precisamos ser atuantes na sociedade, para que as pessoas, não continuem nos seus erros. Perdoar não significa se calar diante de situações de pecado que estamos convivendo cotidianamente. Há uma série de pecados cometidos por nós, na sociedade, que não podemos ficar indiferentes frente a eles. Não se calar diante do ódio; não se calar diante da intolerância; não se calar diante do racismo estrutural; não se calar diante da violência contra as mulheres; não se calar diante da homofobia, do machismo, da xenofobia. Como já nos dizia Santo Agostinho: “A esperança tem duas filhas lindas, a indignação e a coragem; a indignação nos ensina a não aceitar as coisas como estão; a coragem, a mudá-las.” Que saibamos dizer como São Francisco de Assis: “Onde houver ofensa, que eu leve o perdão.”