Ressurreição: Olhar para o outro lado

Dizem os poetas que os olhos são o espelho da alma. Os filósofos afirmam que é pelo olhar que expressamos nosso interior e nossas verdadeiras intenções. E um dito popular, informa: “o olhar diz tudo”.

Nada no ser humano é mais expressivo que o olhar. O olhar “fala” com a intensidade de seu brilho, seja no pestanejar repetido do nervosismo, na lágrima da dor sentida ou no fulgor contagiante da alegria. Um olhar pode seduzir, aproximar ou afastar. Um olhar pode ser meigo, terno, como pode ser tenso e pleno de ódio. O olhar humano, sem dúvida, é o que melhor reflete a síntese da alma humana. Neste tempo de pandemia, redescobrimos a importância do olhar e o poder da sua comunicação.

Os evangelhos falam, muitas vezes, do olhar de Jesus: acolhedor, inclusivo, empático, misericordioso… Momentos em que esse olhar levou pessoas a decidir a sua fé, como o jovem rico; ao arrependimento da traição, como Pedro; a uma mudança existencial, como a adúltera. O olhar de Jesus perpassava a alma e tocava a eternidade.

Mas há um olhar que se autodestrói, aquele que se prende à morte e fica esperando num vazio. Esse foi o olhar de Maria Madalena, quando, na madrugada daquele domingo, buscava o corpo do seu Senhor e encontrou o túmulo desabitado; parada, olhando para dentro do sepulcro, seu olhar penetrou o abismo da morte e ela se viu refletida no espelho do nada. Mesmo desviando o olhar, por um momento, ao avistar um jardineiro, Maria não se permitiu encontrar, senão naquele túmulo, que já não era do seu Mestre, mas o seu próprio.

O olhar fixo de Maria Madalena para a morte denuncia o nosso olhar demasiado voltado para os erros, as culpas, os sofrimentos e os medos; para um passado amargo cujas feridas sangram frustrações e desamor… Parece que nos acostumamos a contemplar a esterilidade do túmulo vazio e a encontrar prazer na tristeza e no pessimismo. Por que teimamos em permanecer numa eterna quaresma?

Naquele domingo…, de repente Jesus a chamou: “Maria!”. Ela voltou-se para o outro lado, o lado da vida, e o reconheceu: “Rabuni?!”, que quer dizer: “Mestre” (Jo 20,16) e a ressurreição, depois de Jesus, aconteceu para Maria Madalena. A mudança de foco traçou, para aquela mulher, um novo horizonte. O que era uma fatalidade absurda se tornou uma esplêndida possibilidade. Maria, agora ressuscitada, articulou as energias, responsabilizou-se e agiu. Ela foi depressa e anunciou aos discípulos a boa notícia: “Eu vi o Senhor” (Jo 20,18); sua vida se tornou missão.

O olhar para o outro lado é um mergulho no sentido mais profundo da cruz e do Crucificado: o AMOR, razão pela qual o Filho de Deus se entregou por nós. Essa novidade faz com que busquemos constantemente as verdadeiras motivações da nossa alegria e nos leva a agir em favor do irmão, estendendo-lhe a mão, curando suas feridas e recolocando-o na posição de ressuscitado!

Precisamos urgentemente resgatar o Batismo, onde já nos tornamos homens e mulheres pascais, fortalecidos para vencer a tentação de permanecer na morte e capacitados para este novo jeito de viver. No Batismo, já morremos para o que não é vida e ressuscitamos completamente (Rm 6,4). Despertemos! A existência em Cristo ressuscitado exige um testemunho radical, pois do contrário “viveremos sem entusiasmo e estaremos inseguros na transmissão da fé, faltará força e paixão. E uma pessoa que não está convencida, entusiasmada, segura, enamorada, não convencerá ninguém” (Papa Francisco).

Neste tempo pascal e em meio a pandemia do novo coronavírus, há um caminho a ser feito… Para quem se dispõe a caminhar, a esperança é a força motora que alimentará os passos. Sem medo, é preciso prosseguir, esquecendo o que ficou para trás e avançando para as novidades de Deus (cf. Fl 3,13). O Mestre está na frente a nos chamar (cf. Jo 10,4) e ao nosso lado para nos fortalecer e nos encorajar (cf. Lc 24,15). Não o confundamos com o jardineiro ou com um fantasma (cf. Lc 24,39).

E poderemos vê-lo e testemunhá-lo: na comunidade reunida em seu nome, na comunhão fraterna, na palavra, na liturgia, na oração, na partilha de vida, nos gestos de solidariedade, na luta pela justiça e pela paz, na natureza, nos acontecimentos, nos homens e mulheres de boa vontade… Vivendo como ressuscitados, descobriremos no dia a dia, tantos outros sinais da sua presença e do seu amor. FELIZ TEMPO PASCAL!

 

Dom Amilton Manoel da Silva, CP

Bispo diocesano de Guarapuava – PR

 

Fonte: Diopuava