Amar e servir

Quinta-feira santa (01). Parece que as coisas estão andando rapidamente. Entramos em abril, quarto mês do ano. A Semana Santa vai ganhando aos poucos a sua preponderância. No dia de hoje, a liturgia nos reserva os textos que tratam de dois momentos importantes e significativos para a prática da vivência cristã: a instituição da Eucaristia e a cerimônia do lava-pés. Ambas comandadas pelo próprio Jesus diante de seus discípulos e discípulas, como grande ensinamento e exemplo a ser continuado pelos seus seguidores a partir de então.

Sempre gostei da quinta feira santa. Via nela um momento fundante do cristianismo. Quando ainda atuava como padre jovem na Região de São Miguel Paulista, Dom Angélico fazia questão de reunir os padres neste dia para uma celebração entre nós. Depois desta, tínhamos um momento especial para compartilharmos um pouco da caminhada de cada um. Foi numa destas quintas feiras que passei o meu primeiro perrengue como jovem padre. No momento das confissões, que antecedia as celebrações, tínhamos um espaço reservado para as confissões. Qual não foi a minha surpresa, quando o padre velho entre nós, escolheu-me para ser o seu confessor. Num primeiro instante fiquei atônito, sem saber o que fazer, diante daquele homem santo. Foi uma das experiências mais gratificantes que tive com o sacramento da Penitência. Mais aprendi com ele do que ele comigo. A partir daquele momento aprendi a não usar de critérios moralistas para lidar com o penitente.

O segundo momento não menos gratificante, foi quando cheguei à Prelazia de São Félix (1992) e fomos celebrar pela primeira vez no nosso regional, a Quinta Feira Santa. Quando chegou o momento das confissões, Pedro se atirou na frente e disse para todos nós ali presentes: “a minha confissão será pública e a farei aqui para que todos vocês possam me ouvir. Depois, quero o perdão de todos e todas”. Ali eu percebi que não estava diante de um homem qualquer. Embora franzino, se tratava de um grande homem de Deus, Pedro Casaldáliga. Me senti tão pequeno naquele dia.

As cerimônias da quinta feira santa são especiais. Elas nos apontam as coordenadas para todo cristão/cristã que queira, de fato, fazer a experiência de proximidade e do seguimento de Jesus de Nazaré. Movido pelo seu grande amor, Jesus lava os pés de seus discípulos e discípulas, numa atitude de quem se coloca a serviço. Uma cena paradigmática que nos remete ao evangelho do poder serviço, de que tanto Jesus insistiu na sua prédica e prática: aquele que se coloca acima de todos, imbuído de poder, que seja o primeiro a servir. Sendo Ele, o Filho de Deus, sai na frente e dá o exemplo, colocando-se a serviço dos demais. Com este seu gesto Jesus aponta os rumos pelos quais tanto a teologia quanto a eclesiologia devem caminhar.

“As palavras convencem, mas os exemplos arrastam”, nos assegura um dos ditos populares. Com esse seu gesto, Jesus nos mostra que a igreja toda deve ser a servidora de todos. O seminarista, as lideranças, o padre, a freira, o bispo são aqueles e aquelas que estão a serviço das causas de Jesus, em favor dos pequenos, rumo à construção do Reino de Deus entre nós. Todos os que caminhamos nas nossas comunidades somos desafiados a fazermos esta mesma experiência. Trata-se de um compromisso assumido desde o início para, nos colocarmos na mesma dinâmica de Jesus: “O Filho do Homem não veio para ser servido. Ele veio para servir, e para dar a sua vida como resgate em favor de muitos.” (Mt 20,28) O exemplo está dado. Cabe a nós fazermos o mesmo que Ele fez.

Também na cerimônia de hoje, Jesus institui a Eucaristia. Ele quis celebrar com os seus seguidores a Última Ceia. Para a teologia cristã, a eucaristia é a renovação do sacrifício de Jesus de Nazaré no Calvário. Esta palavra vem do grego e quer dizer “dar graças” ou “agradecer”. Todavia, ela ganha um significado novo quando os seguidores de Jesus passaram a vê-la como o memorial do próprio Jesus, que “deu graças a Deus” e se entregou total e gratuitamente por amor à humanidade. E ainda disse, todas as vezes que vocês fizerem isto, estão fazendo em minha memória.

“Celebrar a eucaristia é antes de tudo um ato revolucionário”, assegurava-nos o bispo Pedro. Nela fazemos a memória da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus. Ele que se dá como Pão (corpo) e Vinho (sangue) como alimento. Também nós somos chamados a ser este mesmo alimento na caminhada dos demais irmãos nossos, sendo “crísticos” e “eucarísticos”, lutando e construindo uma sociedade mais igual, fraterna e solidária, como prenúncio do Reino sonhado por Deus entre nós. Só pode ser servo e serva aqueles que insuflam o seu coração de amor. Amar é servir e servir é a mais clara demonstração de amor. Caminhando e servindo, sendo presença viva do Cristo Ressuscitado que vive e reina no meio de nós. Somos o Cristo Eucarístico, saciando a fome e a sede de justiça dos esquecidos e invisíveis da história.