O Galileu subversivo

Sábado santo. Sábado da vigília pascal. O mesmo sábado que chamávamos de sábado da aleluia. Nos meus tempos de criança, era comum malhar o Judas traidor. Fazíamos um boneco e saiamos pelas ruas castigando aquele boneco. Por fim, o amarrávamos a um poste e o deixávamos, ali para que todos vissem o trágico fim do traidor. Fosse nos dias de hoje, nem precisaríamos de boneco, bastaria escolher um dos nossos políticos, a começar do Palácio da Alvorada. São tantos Judas, que a escolha seria difícil de fazer.

Um sábado mui diferente dos demais sábados. Trata-se de um dia especial em que aguardamos com muita expectativa o renascimento d’Ele. Jesus Ressurreto, presente no meio de nós. A vitória de Deus sobre os arautos da morte. A vida que triunfa em meio a um contexto de morte. A última palavra é a de Deus que faz o seu Filho ressurgir como um fio de esperança que brota para todos aqueles que n’Ele crêem. Jesus o Deus inegavelmente humano, presente na história da humanidade.

Nunca necessitamos tanto desta esperança, como nos dias atuais. Um Brasil que se transformou num cemitério a céu aberto. Os mesmos que mataram Jesus na sexta feira santa, covardemente, continuam matando os filhos de Deus em plena luz do dia. Não se contentaram em crucificar o Galileu e continuam crucificando ainda hoje milhares de nazarenos: negros, mulheres, favelados, indígenas, ribeirinhos, vulneráveis em situação de rua. É o ritual macabro da morte que não se cala, mas clama ao Deus de Jesus em seu favor, trazendo um facho de luz e esperança de dias melhores.

Jesus é Deus que se faz humano. O Galileu revolucionário que vem trazendo um projeto novo de vida para todos. Neste seu projeto estão inclusos os sofredores da história. Optou por caminhar entre os que nada valiam para a sociedade estruturada na Palestina. Numa sociedade que segregava as mulheres, as crianças, os pobres, os estrangeiros as prostituidas, Ele os escolhe, empodera e os traz para o centro, devolvendo-lhes o direito e a dignidade de filhos amados do Pai. E o mais importante, não só os traz para o centro, mas os constitui como destinatários primeiros do Reino de Deus. Jesus mostra-nos a face de um Deus que é partidário dos pobres e com eles vem morar definitivamente como presença inefável.

Jesus o Deus revolucionário dos pobres que, com a sua ação libertadora, afronta os poderosos em seu ciclo de poder, relativizando os seus poderes mesquinhos e contraditórios. Jesus que lutou por justiça social, igualdade, inclusão para todas as pessoas. Ele foi quem primeiro instituiu a “Comissão de Direitos Humanos”, sendo Ele mesmo o porta voz. Os poderosos, como sempre, tramaram a sorte do justo, condenando à morte um homem inocente. O Estado se encarregou de punir Jesus com a pena de morte, em conluio com as autoridades religiosas do Templo, com a anuência dos alienados sem noção, pobres que ficaram do lado daqueles que os exploravam.

Os anos se passaram, mas algumas autoridades religiosas do nosso tempo ainda continuam, em conluio com as autoridades políticas, econômicas, jurídicas, condenando Jesus a morte, com métodos ainda mais sofisticados. Igrejas perdidas que se aliam aos poderosos, anunciando um Jesus que nunca existiu. Um Jesus de conveniência para justificar os seus interesses e privilégios, massacrando os pequenos sob o jugo da exploração do deus do capital. Frente a este contexto, somos desafiados a sermos subversivos como Jesus o foi. O nosso lado é o lado dos pequenos, os marginalizados, pois foi este o Deus que Jesus nos trouxe. Um Deus humano que não se envergonha de estar do lado daqueles que nada valem, daqueles de má fama.

Sábado Santo da espera da Páscoa. Páscoa esta que é a passagem das trevas da noite escura da morte para a esperança que renasce com a vida. Cristo, o Ressuscitado vive! Estamos a espera do Deus vivo, que conosco veio morar e fazer a história acontecer no meio de nós. Por mais que os tempos sejam difíceis, adoramos o Cristo Ressuscitado, pois antes de passar pelo calvário de sofrimento, se fez presente primeiro em Jesus de Nazaré, o subversivo Galileu, percorrendo as vielas da vida dos pobres, sendo um com eles, sem medo de ser feliz! E, a exemplo de nosso bispo Pedro, subversivamente digamos: “Me chamarão subversivo. E lhes direi: eu o sou! Por meu Povo em luta, vivo. Com meu Povo em marcha, vou. Tenho fé de guerrilheiro e amor de revolução. E entre Evangelho e canção sofro e digo o que quero. Se escandalizo, primeiro queimei o próprio coração ao fogo desta Paixão, cruz de Seu mesmo Madeiro.” (Canção da foice e o feixe – Pedro Casaldáliga)