A dor que não dói em mim

Sábado da quinta semana da páscoa. Os dias seguem, e nós com eles. Um dia após o outro. Um dia de cada vez. Nossas angústias nos acompanham nesta difícil tarefa de sobreviver em meio à morte, em meio ao caos que se transformou o nosso viver nestes últimos dois anos. Insegurança, incerteza e medo, são as palavras que sobressaem no nosso imaginário coletivo. Para compreender este tal imaginário, coletivo, precisamos recorrer à psicanálise, se quisermos alcançá-lo em sua profundidade.

Imaginário que sacudiu o meu ser interior, na noite desta última quinta feira (07), ao deparar-me com o noticiário nacional. Duas notícias feriram minha alma. A primeira delas, veio do Maranhão, quando um grande fazendeiro, plantador de soja, sentiu-se no direito de pulverizar pesticidas sobre as cabeças dos moradores das comunidades rurais no Maranhão e Pará. Várias pessoas destas comunidades foram contaminadas gravemente, inclusive uma criança de 7 anos de idade que, atraída pela curiosidade de ouvir o som do avião sobrevoando tão baixo, correu para avistá-lo mais de perto. Uma crueldade sem tamanho, para com aquelas comunidades rurais.

A segunda notícia não menos grave veio da cidade do Rio de Janeiro, quando uma operação sangrenta e desastrada da Polícia Civil, na manhã desta quinta-feira (07), sobre os moradores da comunidade periférica do Jacarezinho, promoveu um verdadeiro o massacre, exterminado cerca de 28 pessoas, inclusive de um dos agentes de segurança que participava da operação. Os corpos das vítimas encontram-se no IML daquela cidade, a espera da perícia. Uma verdadeira operação de guerra, sobre os pobres daquela comunidade. Mais uma vez, os problemas sociais graves, sendo enfrentados com o poder de polícia. Os agentes de segurança pagos por nós para nos defender, matando gente inocente.

Mas a tristeza maior não vem apenas desta operação de guerra. Ao comentar o ocorrido, um dos agentes da cúpula do governo central, dignou-se apenas comentar que “todos os mortos são bandidos”. No seu tribunal jurídico sumário, já julgou e condenou as vítimas desta chacina. Mesmo que fossem bandidos, como sacramentou este nobre senhor, mesmo assim, o Estado não tem o direito de tirar a vida das pessoas, como num tribunal da inquisição. Ou seja, mais uma vez, este ignóbil personagem de nossa grotesca republica, perdeu a grande chance de ficar calado. Bons tempos aqueles em que mourão, era apenas uma estaca nas cercas que dividem as terras no Brasil.

Neste misto de dor e tristeza e impotência, rezei hoje literalmente a “oração do desabafo”. A oração daqueles que não tem mais a quem recorrer, senão a Ele. O sentimento de indignação toma conta daqueles que minimamente possuem um pouco de brilho em seus olhos e lampejo na alma. Como ficar indiferentes diante de tanta dor, descaso e insegurança, para com a vida dos mais pobres? Como sou alguém que ainda nutro em mim a esperança, recorri ao salmo 69, como forma de alimentar o meu espírito, sem fugir do enfrentamento deste atual momento. Desabafo de quem de quem não tem mais a quem recorrer, então suplica a Deus, que é o refúgio dos mais necessitados. “Salva-me, ó Deus, pois a água está chegando ao meu pescoço. Estou afundando no lodo profundo, sem nada que me segure; vou afundando no mais fundo das águas, e a correnteza me arrastando (Sl 69, 2-3) Suscita em meu coração a esperança, meus Deus, pois o Senhor é a coragem dos pobres!

Como ficar indiferentes a dor do outro? Como não sentir a dor que o outro está sentindo? Com esta pandemia, algumas palavras passaram a fazer parte do nosso mini-dicionário. Uma delas e talvez a mais importante delas, é a palavra empatia. Palavra que desperta em nós um sentimento extraordinário, estabelecendo uma conexão do entendimento na perspectiva do outro. Neste sentido, a empatia não significa apenas sentir pelas pessoas, mas sentir com as pessoas a sua dor. A dor do outro é também a minha dor. É um colocar-se no lugar das pessoas, por mais triste e obscuro que seja a sua situação. Requer um exercício de saber ouvir o que a pessoa está sentindo e sentir como nossa a sua dor. O psicólogo norte americano Carl Rogers (1902-1987) define o ser empático como aquele que é capaz de “ver o mundo com os olhos do outro e não ver o nosso mundo refletido nos olhos dele”.

Que a dor do outro não me seja indiferente, Cantou Mercedes Sosa . Que eu não viva neste mundo, como um ser alheio a tudo e que não seja capaz de sentir o que o outro sente. Geralmente as pessoas empáticas são diferenciadas. Percebe-se claramente em seu olhar se são solidários às causas daqueles que estão sofrendo. Geralmente estas pessoas também são odiadas, pelo fato de se colocarem no lugar do outro. É o que vemos acontecer, por exemplo, com as pessoas que trabalham com a pauta dos Direitos Humanos. São odiadas e taxadas de “esquerdistas”, “comunistas” e outros “istas” mais. Mas não tem problema. No Evangelho de hoje, Jesus assegura àqueles que o seguem afirmando: “Se o mundo vos odeia, sabei que primeiro odiou a mim”. (Jo 15,18) https://www.youtube.com/watch?v=3kJ5cxj0n10