As sandálias de um profeta

Terça feira da sexta semana da páscoa. O clima é pascal para a nossa Igreja. Estamos celebrando a Ressurreição de Jesus. O crucificado libertou-se da cruz e vivo segue no meio de nós. A vitória é de Deus e nossa, pois Ele não permitiu que o seu Filho ficasse preso numa cruz eternamente. A morte é vencida pela vida. A vida triunfou sobre a morte. Deus assim o quis e abriu também a possibilidade para todos e todas também ressuscitarem n’Ele. “Passou a escuridão, o Sol nasceu / A vida triunfou, Jesus ressuscitou!” 

Aqui e acolá há sinais de Ressurreição. Sinais de vida triunfante. Meu coração de educador amanheceu mais uma vez em festa. Como não se alegrar com o jovem Adaílson Moura. Este menino de 18 anos, filho de um pedreiro e uma costureira, de Belem (PA), foi aprovado no vestibular de medicina na Universidade Federal do Pará (UFPA), Uma verdadeira história de superação deste estudante da rede pública, que trabalha como ajudante de seu pai e estudou, com muita dificuldade em casa, através do ensino remoto. Mesmo assim, seu esforço foi coroado, com uma vaga no curso de medicina.

Mesmo neste clima pascal, os sinais são de morte entre nós. No dia de ontem, por exemplo, 10 de maio, celebramos a páscoa antecipada do padre Josimo Morais Tavares. Ele foi cruelmente assassinado a mando do latifúndio, no dia 10 de maio de 1986, na escadaria da Cúria Diocesana de Imperatriz, Maranhão. Membro atuante da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Num sábado, véspera do Dia das Mães, a luta pela terra fez mais um mártir no Brasil. Com 33 anos, o padre Josimo, então coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT) do Araguaia-Tocantins – conhecida como “CPT do Bico”, foi assassinado por fazendeiros contrários ao seu trabalho junto às famílias na região. Seu lema de vida era: “Se eu me calar, quem os defenderá?” Um lema profético.

Calaram a voz de Josimo, mas não calaram a voz do movimento na luta pela terra e pela reforma agrária no Brasil. Pelo contrário, a luta se tornou mais forte ainda. Dona Olinda, sua mãe, foi uma destas pessoas que assumiram a luta pela terra com afinco. Mesmo com uma espada atravessada em seu coração, assumiu a luta junto dos camponeses. Conheci a dona Olinda no mesmo ano da morte de seu filho. Era eu um jovem estudante do curso de teologia no Instituto Teológico São Paulo (ITESP). Ela lá esteve para denunciar as forças da morte que levaram o seu filho e estavam perseguindo os camponeses.

Assim como nosso bispo Pedro, Josimo também usava as suas sandálias surradas. Prelazias, como são chamadas aqui no Araguaia. Esta era a marca característica dos agentes de pastoral da Prelazia. Josimo era Chamado pelos agricultores de “padre negro de sandálias surradas”. Por causa da sua entrega, ele se tornou um dos maiores mártires da luta pela terra no Brasil. Como Jesus, morreu porque afrontou o império da morte, o poderoso e mortal latifúndio. Oxalá, se na nossa Igreja houvesse mais padres com este mesmo espírito combativo do profeta Pedro do Araguaia ou do padre Josimo. A realidade talvez fosse outra. Infelizmente não é isso que vemos acontecer ao longo destes últimos anos. Basta ver os padres mais jovens. Estão mais preocupados com as suas portentosas vestimentas clericais rendadas e com os seus clégimas alinhados, sempre prontos para serem fotografados e postados nas redes sociais com os seus sorrisos amarelados.

Mesmo assim, seguimos confiantes, rezando para que Deus suscite mais profetas que lutem pela terra. Dentro de cada um de nós, que fazemos parte desta Igreja de Jesus de Nazaré, há um sonho. Um sonho que sonhamos juntos acordados, de que a nossa Igreja calce de vez as sandálias dos pobres, não como uma opção preferencial, mas que seja o jeito encarnado dessa igreja ser, sobretudo na pós pandemia, como também deseja o papa Francisco. Igreja sem muitos trajes, adornos, rendas, mas uma igreja pobre, samaritana, que saiba acolher e cuidar dos pobres. Que abrace as causas de Jesus nos pobres e, com eles, possamos construir um mundo novo, uma nova sociedade. Não uma sociedade da riqueza, da acumulação e dos lucros fartos, mas da partilha de tudo com todos. Onde a justiça seja a nossa medida e a solidariedade, a partilha seja a serventia da casa. Nem Pedro nem padre Josimo estão mais fisicamente presentes entre nós, mas o Ressuscitado está conosco para todo sempre. Venha teu Reino Senhor! A festa da vida recria.