A crença nos castigos divinos tem o seu fundamento, principalmente no Antigo Testamento. O homem da antiguidade não tinha conhecimento dos fenômenos da natureza. Frente aos eventos cotidianos, que não compreendia, via a ação de Deus, tanto para o bem quanto para o mal. Consequentemente, nos infortúnios da vida deduzia que Deus o castigava com doenças, mortes, perdas de bens, prejuízos na lavoura, etc. “Mas se não me escutardes e não guardardes meus mandamentos… enviarei terríveis flagelos sobre vós… Se nem ainda assim me ouvirdes, castigarei sete vezes mais pelos vossos pecados” (Lv 26,14.16a.18; 26,14-25).
Mas também estava presente no Antigo Testamento a noção do sofrimento como conseqüência do pecado, e não necessariamente um castigo: “No princípio Deus criou o homem, e o entregou ao seu próprio juízo; deu-lhe ainda os mandamentos e preceitos. Se quiseres guardar os mandamentos, e praticar sempre fielmente o que é agradável a Deus, eles te guardarão. Ele pôs diante de ti a água e o fogo: estende a mão para aquilo que desejares. A vida e a morte, o bem e o mal estão diante do homem; o que ele escolher, isso lhe será dado” (Eclo 15,14-18).
No Novo Testamento aparece no livro de Hebreus a ideia de castigo divino: “O Senhor corrige quem ele ama e castiga quem aceita como filho” (Hb 12,6). Porém, o leitor não pode tomar esse texto em sentido absoluto, mas antes deve ler em unidade com outros textos do Novo Testamento. Pois, os escritores cristãos conheciam ideias diferentes sobre o assunto. Para uma boa interpretação da Bíblia, devemos aplicar aqui um princípio exposto na “Dei Verbum”, n.12: “A verdade se encontra em toda a Bíblia como uma unidade, porque a verdade foi revelada por Deus de modo progressivo”.
Jesus aceitava que o pecado traz como conseqüência sofrimento na vida da pessoa. Muitas vezes após uma cura Ele afirmava: “Vai e não peques mais para que não lhe aconteça algo pior” (Jo 5,14; 8,11). Segundo o seu ensinamento, na linha do livro do Eclesiástico, o pecado gera sofrimento. Nesse caso, o sofrimento é conseqüência de um pecado humano, não de um castigo imputado por Deus.
O Senhor não afirma a noção de castigo divino em seus ensinamentos, pois sempre se refere a Deus como o pai amoroso, pronto para acolher o pecador. Tenhamos em mente a parábola do Pai misericordioso. O filho pródigo, como conseqüência do pecado, sofreu miséria numa terra estrangeira, porém quando retornou para casa, no lugar de castigar, o pai festejou o retorno do filho arrependido (cf. Lc 15,11-32). Jesus ainda apresentou o Pai como um pastor misericordioso, que deixa as noventa e nove ovelhas no rebanho para buscar a ovelha perdida (cf. Mt 18,12-14).
Encontramos ainda hoje muitas pessoas imaginando que seus fracassos e os problemas do mundo são decorrentes de castigos de Deus. Todavia, no lugar de responsabilizar Deus devemos assumir a nossa responsabilidade pessoal com escolhas que acarretam sofrimentos. Também precisamos considerar a nossa limitação. A natureza tanto humana como de todo o universo é finita e limitada. Por isso, todas as criaturas estão sujeitas ao sofrimento.