O medo que amedronta

 

Décimo segundo domingo do tempo comum. Um domingo de muito frio na grande parte deste enorme “continente” chamado Brasil. Tempo de maior dificuldade para muitos brasileiros que vivem em condições de vulnerabilidade, como as pessoas em situação de rua. Que o diga o padre Júlio Lancellotti, que trabalha com eles, como um anjo bom a saciar a fome destes filhos de Deus. Amado por eles, mas odiado inclusive por alguns dos nossos de dentro da própria Igreja. Um verdadeiro contrassenso. Afirmam seguir a Jesus de Nazaré, mas reprovam as ações deste homem de Deus, que dedicou toda a sua vida pela causa destes empobrecidos invisíveis das ruas.

Mais um domingo em que vejo a vida acontecer, aqui deste quarto, onde tenho passado os meus dias, convalescendo, recuperando-me da cirurgia. A vida tece o seu rosário veloz lá fora e eu, “pacientemente” e preguiçosamente, tentando fazer cumprir as ordens médicas. Para alguém que sempre foi ativo, na sua dinâmica de vida, confesso que esta nova tarefa, se torna muito difícil de ser cumprida. Entretanto, como fui aconselhado a desacelerar o meu processo de vida, devo cumprir para que os anos mais a frente sejam vindouros e sem riscos à saúde.

Como ficar parado diante de tantas manifestações que aconteceram ontem pelo Brasil afora? Centenas delas, coloriram as ruas deste nosso país. Como ficar inerte diante de tantas pessoas, que ontem foram às ruas, cansadas de verem tanta destruição neste país? Como se calar diante das mais de 500 mortes, muitas delas abreviadas, sonhos interrompidos, projetos calados, de vidas que se foram prematuramente? Eu assistindo a tudo isso, aqui da minha cama, na maior vontade de estar também no meio daquelas pessoas que, enfim acordaram diante de tantos descalabros. Não teve como não pensar nas “Diretas já”, em que eu, jovem estudante de teologia, estava lá na Praça da Sé, naquele comício histórico. Eu com o meu coração cheio de ideais e utopias críveis, sonhando com um Brasil melhor para todos e todas.

O medo deu lugar a coragem! Mesmo estando em plena pandemia, a coragem de lutar falou mais forte e muitos desfraldaram as suas bandeiras. Cumprindo os protocolos recomendados, lá estavam as pessoas “dando as mãos” umas as outras, lutando pelo mesmo ideal, de um Brasil diferente deste que aí está e que não queremos jamais. Chega de tanto descaso para com a vida do povo, sobretudo daqueles em maiores dificuldades diante desta pandemia. Este país é muito grande e belo, para se acabar neste clima de morte que estamos assistindo passivamente. Merecemos viver condignamente e em paz, sem estas forças do medo e da morte que nos impuseram.

Medo é a palavra que define parcialmente este dia do ponto de vista do texto do evangelho proposto pela liturgia deste domingo. Jesus mesmo se dirige aos seus e faz a intrigante pergunta: “Por que vocês são tão medrosos? (Mc 4,40) O fato de sentir medo, mesmo estando com Ele ali presente, denota uma demonstração clara, de que os seus seguidores fraquejaram na sua fé. Ou seja, eles não conseguiram perceber que a ação de Jesus transforma as situações. Este contexto nos remete a uma das passagens do profeta Isaías, em que ele afirma categoricamente: “Quem tem fé não tem medo.” (Is 28,16) Não pode ter medo aquele que se coloca na mesma perspectiva de Jesus, que venceu todas as batalhas, inclusive a morte, ressuscitando para continuar com a sua presença de Filho de Deus no meio de nós. Estar em sintonia com Deus faz com que vençamos o medo que, às vezes, insiste em se instalar em nosso coração. Nestes momentos é que somos desafiados a pensar como Josué: “Não tenhas medo, porque o Senhor está contigo em qualquer parte para onde fores.” (Js 1, 9)”

O jovem padre Franklim, que hoje não está mais entre nós, pois também fez a sua páscoa prematuramente, há alguns anos, escreveu uma das frases de Pedro num dos muros da cidade de São Félix do Araguaia, que deu muito o que falar. “O contrário da fé, não é a dúvida. O contrário de fé, é o medo.” Era desta forma que Pedro definia aqueles que se deixavam mover-se pelo medo. Também aqui fica evidente que o medo e a fé não podem caminhar lado a lado. Todavia, isto não significa que possamos sentir medo em algumas ocasiões e circunstâncias, afinal não é fácil viver sem perigos. “Viver é muito perigoso!” Já nos dizia Guimarães Rosa. Ter fé e acreditar é algo que supõe caminhar no escuro, caminhar por estradas nada trafegáveis, mas devemos sempre caminhar. Não podemos ficar parados, estagnados, no possível medo que sentimos, pois ele não pode ser nossa companhia. Nossa companhia é Jesus de Nazaré, que nos convida a ir mais além. Através da fé, Ele faz-nos o convite para caminharmos e não ficarmos parados, mas caminhar e ir mais além “para a outra margem!” (Mc 4,35) de nossas vidas, de nossas lutas. Por mais que o medo nos amedronte, sendo a grande encruzilhada de nossas vidas, inibindo as nossas ações, Ele e ela, sua mãe, se fazem presentes em nossa caminhada.