Chegamos a mais um sábado. Mais um final de semana que se aproxima. Já é o quarto deles, que sigo aqui me recuperando, procurando ser calmo e “paciente”, literalmente. Já me encontro bem melhor. Estou ainda quase na metade do caminho de meu cantinho no Araguaia. Ainda preciso retornar a Goiânia, para a avaliação pós-cirúrgica. Possivelmente, depois disto, estarei liberado para o meu retorno às barrancas do Araguaia. Deus tem sido extremamente generoso e paciente comigo ao longo de todo este período, confidenciando ao meu ouvido: “calma! Sê paciente! Tudo vai ficar bem!
Vivo de sonhos. Eles estão sempre presentes em minha vida. Sonhos permeados pela realidade, de pé fincados no chão da vida de nossa história. Sonhei esta noite que estava rezando no túmulo de nosso pastor, a beira do Araguaia. Talvez porque nas manhãs de sábado, aproveito para estar ali com ele, em oração. Daquele lugar, emana uma energia que preenche todo o meu ser, trazendo-me uma paz de espirito, como se ainda o tivesse presente ao meu lado. Sinto o meu coração abrandar, como se ele me dissesse, estamos juntos para o que der e vier. Assim era Pedro! Sempre encontrava uma palavra amiga para nos incentivar na caminhada militante, fazendo-nos acreditar nas utopias do Reino, pois o Crucificado Ressuscitou e é um conosco. Sempre nos dizia palavras como estas, por mais que as dificuldades se avolumassem. Que saudades deste nosso profeta!
Assim, rezei nesta manhã como se estivesse ali junto dele. Uma oração que fiz questão de trazer todas aquelas pessoas, amigos e amigas que se fizeram presentes, em sintonia junto a mim, durante o período deste meu calvário. Pessoas que abriram os seus corações e de alguma maneira muito me ajudaram: alguns rezando; outros enviando vibrações positivas; outros enviando reiki e outros ainda, solidarizando em forma de contribuição financeira, mesmo neste momento tão difícil que estamos passando. Senti cada uma destas pessoas muito presentes em meu coração. São estas contribuições destes corações generosos, que estão ajudando-me a custear a fatura deste imprevisto, que não é nada barato. Deus, na sua bondade infinita, ouviu as preces destes amigos e amigas. Por milagre de d’Ele também, até o presente momento, não fiquei com nenhuma sequela deste irmão AVC, que veio trazer-me a boa nova, de que preciso desacelerar com os meus afazeres de agora em diante.
“Sonhar não custa nada”, já nos dizia a letra de um dos enredos da Mocidade Independente de Padre Miguel. Sonhar faz parte da vida de todos nós. Todos temos um sonho que um dia gostaríamos de que se transformasse em realidade. Este é a função do sonho na visão do psicanalista Rubem Alves (1993-2014). Segundo ele, a realidade antes de acontecer, precisa passar pelos nossos sonhos. Ensinamento que aprendi com os meus irmãos A’uwé. Sempre, após as reuniões no Warã, que reúnem as lideranças e anciãos Xavante pela manhã e ao término de cada dia, cada qual vai para sua casa, dormir para sonhar se aquela decisão, que fora tomada no Warã, foi a mais acertada. Também, quando se preparam para a caça, precisam sonhar, para que a caçada seja proveitosa e frutífera para a comunidade.
Pedro, nosso poeta, profeta e bispo, era um homem sonhador. Como seguidor da “Testemunha fiel”, sonhava as causas do Reino, vivificadas na árdua luta cotidiana para implantá-las no chão da vida dos pobres. Pobres que eram os destinatários primeiros da proposta de Jesus. Tanto que, após ser batizado, vai para a Galileia, e ali inicia o seu projeto messiânico, devolvendo a dignidade aqueles esquecidos e abandonados. No sonho real de Pedro, ele sempre nos dizia: “Se a Igreja esquece a opção pelos pobres, esqueceu o evangelho.” Sonho que todos nós aprendemos a sonhar enquanto igreja de São Félix do Araguaia. Uma igreja perseguida, mas fiel ao sonho de Pedro.
Caminhando com os povos indígenas passei a ter muitos sonhos. Sonho meu de cada dia. Alguns mais longínquos, outros mais próximos que anseio ver acontecer na alvorada de um novo amanhecer. Sonhos sonhados, mas intercalados pelo chão firme da floresta e da ancestralidade dos povos originários. Por enquanto, a depender dos projetos dos homens do lucro fácil e farto, nossos sonhos serão adiados para serem concretizados. A ecologia integral anseia por vida e vida plena. Nossa Casa Comum sonha com dias sem agressões dos donos do capital irracional. Tudo porque, “O que tem sido colocado sobre os direitos dos indígenas ocorre em fascículos. A causa indígena é real. O Brasil tem que entender que tem uma dívida com os indígenas.” (Pedro Casaldáliga) Este era um dos sonhos deste homem de Deus, que era considerado pelos povos indígenas de nossa região do Araguaia, como o “Guardião de suas Causas”. O meu sonho maior é o de que um dia a causa indígena será a causa de todos nós.