Meu eu romântico

Acordei muito cedo na manhã desta quarta-feira, ainda repercutindo em mim a segunda dose da AstraZeneca, realizada no dia anterior. Vacinado, vi o dia despontar a partir da “janela” de meu quintal. Vivi a experiência de algumas etnias que concebem a ideia de que o dia vem sendo trazido pelas mãos do sol. Todas as manhãs, ele, o sol, se encarrega de buscar o dia. Sem esta sua participação decisiva, o dia não viria. Com eles também aprendi a escutar e sentir o pulsar da mãe natureza. Uma legião de periquitos fez companhia ao meu estado de contemplação, mesmo sem muita opção frutífera para o seu café matinal. Junto com os irmãos periquitos, estavam também os macacos guaribas, com a sua liturgia ruidosa, no ritual sagrado de acasalamento, perpetuando a espécie e também aquecendo nesta fria manhã.

As jabuticabeiras deram uma trégua na produção de seus saborosos frutos. Estão agora vestidas de flores, aromatizando todo o entorno, atraindo sobre si as abelhas, com o seu sagrado rito de polinização. Engana-se quem pensa que o principal fruto das abelhas é o mel. Elas têm uma função importantíssima na natureza, contribuindo significativamente para a produção agrícola, graças ao processo de polinização. Tanto é verdade, que, com a proliferação dos venenos, nas mais variadas formas, estima-se que um quantitativo de 70 milhões delas tenha morrido em função da ação do agro veneno. Dai dá para se ver que o agro não é tão pop como propagam.

Sou um romântico inveterado. Esse romantismo faz-me sonhar. O sonho faz parte do meu existir. Sonho com tudo e com todos. Também aprendi a sonhar com Pedro, que através de seus versos poéticos revolucionários, sonhava o sonho de Deus. Como ele mesmo dizia, “sonhar o sonho utópico na procura do Reino.” Sonho crível de realidade do impossível, que pode vir a ser concretamente, com a nossa ação transformadora do mundo. Sonho que se transforma no Devir, ao qual o filosofo grego Aristóteles (384-322 a.C.) definia como o processo de realização da potência. Ou seja, é o princípio de atualização da potencialidade em direção à realização da forma.

Sou um romântico sonhador! Sonho o sonho utópico de outro mundo possível, onde todos e todas possamos viver o sonho de Deus: vida plena, integral e abundante para todos e todas. Não um mundo em que alguns abastados e privilegiados, tenham mais do que o necessário para viver, as custas daqueles pobres e vulneráveis que nada tem, nem o mínimo necessário. Reza o Artigo 7º da nossa Constituição Federal de 1988, que “Todos são iguais perante a lei e, sem distinção.” Entretanto, a experiência cotidiana nos mostra que alguns dentre nós, são mais iguais que outros. Como é o caso daquelas desiguais que são as 85 milhões de pessoas brasileiras que “sobrevivem” com uma renda mensal de R$150,00. A fome se faz presente inevitavelmente na vida destas.

Meu romantismo faz-me acreditar que outra realidade é possível de ser construída entre nós. Não a realidade pensada e arquitetada pelos nossos governantes de plantão. Falo da realidade que passa, por exemplo, pela experiência do indígena Hugo Pereira Juvêncio, de 22 anos, que nasceu em Roraima, na aldeia indígena de Uiramutã. Este jovem, acaba de passar em Medicina na Universidade Federal do Maranhão. Um jovem romântico e sonhador, que busca no curso de Medicina, uma forma de voltar-se para o seu povo: “Vejo meu povo sofrendo pela falta de médicos e de acompanhamento a idosos, grávidas e crianças. Decidi fazer Medicina por essas pessoas, com atendimento qualificado e humano para todos”. Românticos somos poucos, como bem diz a canção do mineiro Vander Lee.

Jesus traz em si o romantismo de Deus. No dia de hoje, conforme a liturgia católica, o vemos louvando a Deus: “Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos.” (Mt 11,25) Com seu jeito simples e romântico, Jesus revela a vontade do Pai, de trazer o Reino para próximo dos pequenos. Deus que é para todos e todas, mas que faz opção de classe social. Opta pelos pequenos e vulneráveis, uma vez que os sábios e inteligentes não são capazes de perceber a presença do Reino e sua justiça através de Jesus. Dirão alguns que este é o lado “comunista” de Deus. Entretanto, para o bom entendedor, os invisíveis, são aqueles que conseguem entender o sentido da atividade concreta de Jesus e de dar continuidade a ela. Sonhar o sonho de Deus é sonhar outro mundo possível e sintonizar-nos com as palavras ditas por Dom Hélder Câmara: “O verdadeiro cristianismo rejeita a ideia de que uns nascem pobres e outros ricos, e que os pobres devem atribuir a sua pobreza à vontade de Deus.”