A leitura que liberta e transforma

Iniciamos mais uma semana. Parece corriqueiro esta cena, mas cada dia é diferente do anterior, por mais que pareçam iguais. Cada dia é único, assim como cada pessoa também. O dia de ontem já se foi. O de hoje, se abre como perspectiva, de um novo horizonte para a nossa vivência. Estamos vivos! Deus seja louvado! Oportunidade para fazer a diferença. Deus continua apostando em nós. Que não percamos a oportunidade de fazer diferente, através de uma nova postura, como nos alerta o físico alemão Albert Einstein (1879-1955): “Insanidade é continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes.” Que possamos nos irmanarmos ao nosso Mestre Galileu, que já nos dizia: “Eis que faço novas todas as coisas.” (Ap 21, 5)

Iniciei a minha semana em sintonia à dor do Povo Iny, da aldeia de Fontoura. O ancião Pedro Idjeturá, segue desaparecido. Já são 9 dias, sem que ninguém sabe o paradeiro do pajé, apesar da incessante busca, pela Ilha do Bananal. A única coisa que dele encontraram, foi uma de suas sandálias. Uma grande tristeza se abateu sobre os indígenas daquela aldeia, não somente pelo histórico de vida dele, mas pelos seus saberes ancestrais, acumulados ao longo de toda a sua vida. Uma perda imensurável será para o povo Iny, sem a presença de seu pajé, já que o conhecimento adquirido por esta liderança, seus saberes tradicionais ancestrais, deixarão de ser perpetuados oralmente de geração em geração.

Falar dos Povos indígenas é falar da sua oralidade e ancestralidade. Ambas se completam no espaçamento cultural de cada uma das etnias, presentes hoje no Brasil. Para estes povos, o sagrado permeia todas as suas relações. Cada gesto, palavra ou detalhe de sua manifestação cultural, pontua as marcas fortes desta oralidade e ancestralidade. Sua organização humana e social é delineada pela riqueza de uma sintonia entre o sagrado e a vida cotidiana, norteadas pela ação dos anciãos, como Pedro Idjeturá. Pessoas que tem o seu lugar social de profundo respeito. Em outras palavras, a cultura possui no seu cerne a religiosidade, que é o jeito próprio deste povo, reverenciar o imanente transcendente. Daí porque este nobre ancião, já está fazendo falta. A aldeia enlutada, chora a perda de sua grande liderança. Os Aruanãs (entidade sagrada) estão de luto.

Para nós não indígenas (Tori), que não trazemos em nós tamanha riqueza milenar da oralidade, mesclada com a ancestralidade, podemos talvez compensar através da leitura de bons livros. Ler é sobretudo uma arte. Uma aventura rumo ao universo desconhecido, proposto por aquele, aquela que escreve. Quem não possui o hábito da leitura, perde a grande chance de viajar sem sair do lugar, uma vez que os livros nos possibilitam tamanha façanha. Com eles também vamos construindo o nosso ser, o nosso pensamento e a nossa personalidade. Evidentemente que este conhecimento precisa também ser intermediado pela sabedoria, que nos advém com a vida e os humildes, como observa a poesia de Cora Coralina.

O poeta brasileiro Mário Quintana (1906-1994) dizia que: “Livros não mudam o mundo, quem muda o mundo são as pessoas. Os livros só mudam as pessoas.” Nosso grande patrono da educação, Paulo Freire (1921-1997), pensava também desta forma, mas se referindo a educação: “Educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo.” De uma maneira ou de outra, os livros nos ajudam a pensar com o nosso próprio pensamento. Não precisamos que outrem, pense por nós, ou no nosso lugar. Quem lê, geralmente não se deixa instrumentalizar. Não se deixa dominar. Na verdade, este é o grande medo dos governantes, sobretudo daqueles que acham que “os livros tem muita coisa escrita.”

Por falar em educação e leitura, tive a felicidade de encontrar uma pessoa que me introduziu no mundo dos livros. Apaixonada que era pela literatura, a professora Zilda, fez-nos ver os livros e a literatura sob uma nova ótica. Assim, como um caruncho, passeei por todas as prateleiras daquela enorme biblioteca do seminário Santo Afonso. Não satisfeito e, sem que os padres soubessem, ainda me intrometi na biblioteca dos padres, que ficava na clausura. Ali, dei de cara com um dos clássicos da literatura: “O crime do padre Amaro.”. Um livro proibido, ainda mais para um jovem seminarista. Aproveitei para ler também quase toda a obra do escritor português Eça de Queiroz (1845-1900). A leitura nos coloca em sintonia conosco mesmo. Nos vemos e vemos o mundo e o aprendemos a decifrar. Se, antes de serem professores, os nossos profissionais da educação, fossem ao menos frequentes leitores, talvez a nossa educação, alcançasse índices mais satisfatórios de qualidade.