Quarta feira de manhã fria por aqui. Se o frio está entre nós, fico a imaginar em outros lugares deste imenso continente chamado Brasil com os seus 8.516.000 de km². Nosso friozinho por aqui é bem mais ameno, o que não impediu que um casal de empolgados tucanos namorasse tranquilamente sobre o pé de goiaba de meu quintal. Meio desengonçados, é verdade, afinal não é de todo fácil trocar “beijos e carícias afetuosas” com aquele bico colossal. Mas foi assim que o criador os projetou, e é desta forma que eles se dão, no ritual de ter um ao outro como dádiva.
Sigo por aqui buscando cada vez mais viver a virtude da paciência. Recuperando-me um dia por vez. Convivendo com o dia depois do irmão AVC, que agora determina o meu modus operandi daqui por diante. Recuperar é preciso, para que eu possa dar continuidade às minhas ações, na missão de acompanhamento das lutas dos povos indígenas. Vou ficar de molho até 60 dias do pós-cirúrgico. Em setembro, terei que retornar à Goiânia, para outra avaliação de meu estado. Lá, talvez esteja liberado para seguir a minha vidinha aqui pelas terras da Prelazia como agente de pastoral.
A cena dos tucanos me fez rezar diferente no dia de hoje. Não me apropriei dos textos da liturgia do dia. Confesso que fui contagiado pelo espirito deles e deixei-me invadir pelas regras do amor. Amor tão necessário e imprescindível às nossas vidas. Amor que tem sido um dos quesitos escassos nas prateleiras de nossa sociedade mesquinha, egoísta. Amor que é o fundamento básico e imprescindível da experiência de vida cristã, mas que tem sido relegado a um segundo plano, neste atual momento em que estamos vivendo. Amor que cedeu lugar ao ódio, a intransigência, ao preconceito, a intolerância, aos mais absurdos gestos, como a daquele sacerdote que, segundo reportagem, se recusou a ser atendido por um garçom negro, em uma determinada pizzaria. Um sacerdote racista é inconcebível.
Somos seres criados para a amorosidade. Nenhum de nós foi projetado para trazer em nossos corações a força destruidora do desamor. Deus é amor! E como tal, nos fez assim como Ele é, imagem e semelhança d’Ele. (Gn 1, 26) O ódio é uma construção nossa, que nos deixamos ser invadidos por ele. Nunca é demais recordar o grande discurso que nos trouxe Paulo, descrevendo para nós as características do amor: “O amor é paciente, o amor é prestativo; não é invejoso, não se ostenta, não se incha de orgulho. Nada faz de inconveniente, não procura seu próprio interesse, não se irrita, não guarda rancor. Não se alegra com a injustiça, mas se regozija com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.” (1Cor 13, 4-7) Uma narrativa revolucionária e, portanto, provocativa.
Um projeto de vida a ser espelhado e seguido por nós. Para o amor não existem fronteiras. Também não há meio termo. Impossível ser da turma de Jesus e não ter este horizonte, apresentado no texto paulino, como perspectiva para as nossas vidas. Aqueles e aquelas que nos colocamos na mesma estrada com Jesus, torna-se inadmissível que sejamos diferentes disto. Ou somos ou não somos um com Ele, deixando transparecer em nós as evidências deste amor sem fronteiras, como canta e nos encanta o conjunto musical Roupa Nova, com a sua canção “A força do amor.”
Falar do aor na perspectiva neotestamentária e não nos aludirmos ao texto joanino, estaríamos cometendo um grande equívoco. João, na sua primeira carta, nos apresenta uma síntese prática e objetiva quando afirma: “Amados, amemo-nos uns aos outros, pois o amor vem de Deus. E todo aquele que ama, nasceu de Deus e conhece a Deus.” (1Jo 4,7) Uma das mais belas narrativas acerca do amor. Nesta sua lógica, Deus é antes de tudo amor. É assim que Deus se faz conhecido entre nós. Desta forma, o amor se torna o centro da vida cristã, quando somos então, desafiados a praticá-lo no dia-a-dia. O contrário disto é a incoerência de viver uma fé que não se fundamenta na prática deste amor. Amor que precisa ganhar os becos da nossa existência como nos adverte o Papa Francisco: “Deus não precisa ser defendido por ninguém e nem quer que o seu nome seja usado para aterrorizar as pessoas. Peço a todos que parem de usar a religião para incitar ao ódio, à violência, ao extremismo e ao fanatismo cego.” Que sejamos inundados e movidos por esta amorosidade, fazendo de cada um de nós instrumentos do amor de Deus em nós! Vivamos um amor sem fronteiras, vencendo todas as formas contrárias a este amor. O amor sem fronteiras sempre vencerá o ódio.