O silêncio da covardia

Mais uma manhã fria pelas margens do Araguaia. As temperaturas baixas, que lá fora se fazem presentes, tem refletido no clima por aqui. No mês de julho, é comum termos noites mais frescas, mas não como está ocorrendo agora. Os mais friorentos têm reclamado do clima atípico para esta nossa região. Em decorrência desta manhã mais fria que o normal, meus hóspedes não saíram de seus ninhos para saborear o café da manhã, talvez esperando pela vinda do irmão sol. Um silêncio assaz, se fez ouvir nesta manhã atípica, me fazendo rezar introspectivamente, ouvindo o pulsar da natureza a minha volta. 

Mateando, rezando e recordando da primeira experiência vivida anos atrás, com uma das lideranças indígenas. Fui conduzido por este sábio homem, a uma incursão pela floresta. Em dado momento da nossa estada ali, ele me pergunta: “Você está ouvindo a voz da floresta”? Ao que prontamente respondi: sim. “Mas não basta somente ouvir. Você precisa sentir a floresta pulsar dentro de você.” Confesso que a parir daquele momento, uma inquietação tomou conta de todo o meu ser. Não me sentia preparado para fazer tal experiencia, de transportar para o meu interior aquele suspiro tão profundo. Sentir o pulsar da floresta, no compasso das batidas de meu coração.

O silencio interior é uma das experiencias mais difíceis de serem alcançadas em nosso cotidiano. Temos uma enorme dificuldade de fazer a viagem ao nosso interior. Adentrar em nós mesmos e escutar as vozes interiores que clamam em nós. Fazer a experiencia de Deus que fala a partir desta introspecção. Sentimo-nos incomodados quando o silêncio se faz mais forte em algum momento de nossas vidas. Se não ouvimos esta nossa voz interior, dificilmente ouviremos a voz de nosso Deus, que ali se manifesta. Esta é uma das formas de encontrar-se com Deus. A mesma experiência feita por Maria Madalena, que só encontra Jesus, a partir do momento que ela faz o encontro consiga mesma.

Se por um lado, não nos dispomos a encontrar-nos com o silencio interior, por outro, estamos nos tornando especialistas, em silenciar-nos, diante das contradições de nossa existência. Além de nos calarmos, ainda relativizamos como “coisas da vida”. Assim, a gritante cena, onde várias pessoas numa fila, esperam pela doação de ossos descarnados, num dos açougues da capital de Mato Grosso, não nos incomoda. Não nos diz respeito, as pessoas passando fome, num dos estados de maior concentração bovina do Brasil. Fome que, certamente, não está chegando à mesa dos barões do “agroveneno” do estado, que ano após ano, coleciona recordes de produção agrícola para exportação. Diante deste contexto, impossível não pensar em Dom Hélder Câmara que nos dizia: “A fome dos outros condena a civilização dos que não têm fome”.

Este outro silêncio se transforma na arma dos covardes. Silenciar aqui, combina com a omissão. Jesus não silenciou diante das injustiças de seu tempo. Não é papel de seus seguidores, a prática do silêncio conivente. Neste sentido, o não se calar deve caminhar a passos largos na contramão do sistema que produz a morte dos pobres. Tal atitude profética trouxe-me de volta nosso bispo Pedro que, num de seus livros, publicado em 1979: “Creio na Justiça e na Esperança”, assim se manifesta: “O tempo, quando não é uma capacidade concreta de fazer, é uma capacidade perigosa de lembrar, temer e desejar. Usar o tempo dignamente, às vezes, é uma difícil virtude. Os valentes são aqueles que superam o medo; os crentes são aqueles que superaram, na Esperança, a dúvida, o terror, a amargura que os invade aqui nesta terra de peregrinação. O antídoto da angústia é a escolha, dizem os manuais. Mas a escolha nunca tem fim: vai-se fazendo hora a hora, minuto a minuto. É a fidelidade, o que nossos velhos chamavam de perfeição, o ‘sim, Pai’, de Jesus. A oração é o respiro da Esperança”.

O silêncio em oração pode e deve nos remeter à ação libertadora/transformadora. Encontrar-se com o silencio interior, instiga-nos a entrar em sintonia com o Jesus histórico e o seu projeto messiânico no meio dos pobres. Silêncio que nos faz gritar por justiça, igualdade, fraternidade, ícones da dimensão da vida cristã. O seguidor de Jesus que não anseia e luta pela justiça, é uma mera personagem desfigurada e descompromissada com as causas d’Ele e com a vida do irmão que consigo vive. Somos permanentemente desafiados a lutar pela justiça e pela esperança. Isto porque, vivemos numa sociedade em que a vida dos mais pobres, está permanentemente ameaçada. E o que nos deixa indignados é de saber que, boa parte das injustiças cometidas contra os pequenos, vem de pessoas que se dizem cristãs. Vivem em si o silêncio da covardia