Reflexão: Liturgia do XVII Domingo do Tempo Comum,
Ano B – 25/07/2021
Na Liturgia de Domingo, XVII do Tempo Comum, veremos que, no Evangelho de João (6, 1-15), Jesus é o novo Moisés: “Subiu ao monte e uma grande multidão foi ao seu encontro”. As características dessa multidão, certamente, não são diferentes do que o Documento de Aparecida apresenta quando fala dos novos rostos pobres: “Fixamos nosso olhar nos rostos dos novos excluídos: os migrantes, as vítimas da violência, os deslocados e refugiados, as vítimas do tráfico de pessoas e sequestros, os desaparecidos, os enfermos de HIV e de enfermidades endêmicas, os toxicodependentes, idosos, meninos e meninas que são vítimas da prostituição, pornografia e violência ou trabalho infantil, mulheres maltratadas, vítimas da exclusão e do tráfico para a exploração sexual, pessoas com capacidades diferentes, grandes grupos de desempregados(as), os excluídos pelo analfabetismo tecnológico, as pessoas que vivem na rua das grandes cidades, os indígenas e afro-americanos, agricultores sem terras e os mineiros” (DA, 402).
Jesus sacia a fome de pão, a fome de solidariedade, a fome de instrução, de ideais e, neste sentido, a Igreja, com sua Pastoral Social, deve dar acolhida e acompanhar essas pessoas excluídas nas respectivas esferas, pois, seguir a Jesus, é romper com a sociedade da exploração e exclusão. Mas, para isso, precisamos do milagre das políticas públicas eficientes, projetos que contemplem os mais necessitados, porque muitos dos problemas sociais são frutos da injustiça institucionalizada, como dizem os bispos latino americanos desde a Conferência de Medellín, em 1968.
Para as grandes transformações, primeiramente, é necessária a conscientização e o compromisso com as causas do Reino; não podemos pensar pequeno, como Felipe: “Nem duzentas moedas de prata bastariam para dar um pedaço de pão a cada um”. Esta mentalidade individualista e egoísta pode estar incutida em nós quando dizemos: “faltam verbas”, “são indolentes” etc. Por desconhecer as estratégias que levariam às mudanças necessárias, criticamos e acusamos os que se envolvem no campo da conscientização política. A isso, o Papa São João Paulo II, chama de ‘terrível praga’, pois contribui para manter imensas multidões na condição de subdesenvolvimento, com tudo o que leva consigo de miséria escandalosa. Dizia, ainda, que “a fome de instrução não é menos deprimente que a fome de alimentos: um analfabeto é um espírito subalimentado… ali onde houver analfabetismo reinam, mais que noutro lugar, a fome, as doenças, a mortalidade infantil, bem como a humilhação, a exploração e todo o tipo de sofrimento” (Mensagem do Papa para a quaresma de 1995. A Praga do analfabetismo contribui para manter as condições de miséria).
Não conhecer a proposta da Igreja e se opor à opção pelos mais fragilizados da sociedade é um grande mal dos nossos tempos. Hoje, poucas pessoas têm esse conhecimento e, por isso, muitas vezes, consentem com o mal e, até, de forma coletiva: “O consentimento ao mal é um sinal preocupante de degeneração, intelectual, espiritual e moral em nossa realidade”. A Igreja se preocupa com a atuação dos cristãos, por isso oferece formação para que, também os leigos, façam Jesus acontecer ‘no altar’ das realidades temporais.
Jesus é sensível às necessidades da multidão, purifica a mentalidade de Felipe e provoca todos nós, hoje, responsabilizando-nos também pela solução da fome e dos males do mundo, pois o mal é uma denúncia contra nós: não fomos tão bons, sal, luz, fermento. “Onde vamos comprar pão para todos?”
Amartya Sem, um economista indiano, recebeu, em 1998, o prêmio Nobel de economia, por seu trabalho sobre a economia do bem-estar social. Professor da Universidade Harvard, em sua obra, O desenvolvimento como liberdade, diz: “Hoje é difícil pensar que uma benevolência divina zele sobre o mundo onde há tanta miséria, guerra e sofrimentos. O decisivamente importante é que cabe a nós mudar o mundo. Nossos males não resultam de descuidos ou cochilos divinos: são provocados por nós, pelo mau uso da liberdade. Se os provocamos, somos também capazes de corrigi-los”. Para ele, a meta do progresso econômico e tecnocientífico é o aperfeiçoamento do ser humano. A finalidade é o progresso, a produção de riquezas; os avanços científicos são instrumentos para alcançar os fins humanos: o desenvolvimento das pessoas. A utilidade da riqueza está nas coisas que nos ajudam a construir o bem-estar do homem: habitação, saúde, cultura, qualidade de vida. A riqueza é um instrumento para realizar a finalidade da sociedade que é a construção do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).
A Leitura do Segundo Livro dos Reis (4, 42-44) segue na mesma lógica do evangelho, o profeta Eliseu, ‘Boca de Deus’, diz que o milagre é partilhar: “Eliseu disse: Dá ao povo para que coma; pois assim diz o Senhor: Comerão e ainda sobrará”. Na visão de Eliseu, a esmola gera revolta, empobrecimento, enquanto a partilha gera cooperação, solidariedade, amor, amizade, atrai as bênçãos de Deus e ainda sobra. Eliseu insiste na mudança de mentalidade a partir da fé, pois, quando a vontade de Deus é respeitada, elimina-se a fome e a maioria dos males do mundo: “O homem distribuiu e ainda sobrou, conforme a palavra do Senhor”.
A caridade evangélica é fundamento do agir cristão e requer a promoção humana e a libertação integral. É gesto de quem se dá. De quem coloca, a serviço do outro, suas melhores energias, seu espaço, sua influência social e política, e não migalhas de tempo ou de poder. As primeiras comunidades aprenderam a lição do Senhor e viviam a comunhão fraterna e o gesto de quem partilha as primícias e não as sobras. Assim, não havia necessitados entre eles (Cf. CNBB, doc. 69, n° 30).
No contexto do Jubileu de 2000, São João Paulo II falava da necessidade de se “pautarem decididamente os processos de globalização econômica em função da solidariedade e do respeito devido a cada pessoa humana” e deixava no ar a pergunta: “Como é possível que, no nosso tempo, ainda haja quem morra de fome, quem esteja condenado ao analfabetismo, quem viva privado de cuidados médicos elementares, quem não tenha casa onde se abrigar?” (NMI, 10 e 14). Se ‘o desenvolvimento é o novo nome da Paz’, conforme ensinou Paulo VI, só alcançaremos a Paz tão desejada na medida em que a economia, de fato, colocar-se a serviço do ser humano, invertendo a lógica do mercado hoje prevalente, como não se cansa de falar o Papa Francisco.
Penso que a liturgia quer nos dizer que nossas ações devem convergir para o imperativo ético do respeito à vida que está acima dos contratos humanos. O Poder Público, em suas ações de governo, é obrigado a atender, prioritariamente, a todos os cidadãos em situação de fome ou miséria. A promoção humana é problema de governo e não objeto de manipulação de primeira dama, como se fazia no passado. Também os governos mundiais devem priorizar o ser humano e não as armas: “Para cada dólar que a ONU gasta em missões de paz, o mundo investe dois mil dólares em guerra; isto é, segundo dados estatísticos, gasta-se em armas no mundo 1 milhão e 400 mil dólares por minuto; o que representa mais de 30 mil dólares por segundo! Esses e outros dados alimentam uma indignação nova, e a população mundial é convidada a tomar posição” (Texto Base da Campanha da Fraternidade – 2005, nº 51).
A liturgia afirma que Jesus é nosso banquete messiânico, Ele pede que os discípulos façam a multidão acomodar-se na relva. É um banquete sem mesa, tornando-se Ele mesmo a mesa em torno da qual o povo se reúne para celebrar a vida da nova aliança com Deus, Jesus, pão que alimenta e sacia seu povo, elimina todo sofrimento. Na comunhão com Deus, o ser humano terá realização plena e a festa acontecerá, não será necessário primeiro ajuntar para depois repartir.
Boa reflexão e que possamos produzir muitos frutos para o Reino de Deus.