A intenção da semente

Estamos no penúltimo sábado do mês de julho. Mais um final de semana. Deus se fazendo presente em nossas vidas, trazendo-nos mais um novo amanhecer. Um novo dia. É desta forma que precisamos encarar cada um dos dias em nossas vidas. O dia de ontem se foi. Temos a chance de construir o novo em mais um dia. Cada dia é único, por mais que pensemos que não seja. Nenhum dia é igual ao outro, e nem nós somos mais os mesmos, a cada dia que desponta. Assim, realizamos em nós a mesma experiência apontada pelo filosofo pré-socrático Heráclito de Éfeso (540 a.C. – 470 a. C.): “Nós não podemos nunca entrar no mesmo rio, pois, como as águas, nós mesmos já somos outros.”

Rezei no dia de hoje sob esta perspectiva. Acreditando que a semente semeada por cada um nós, haverá de produzir os frutos a seu tempo. O milagre da vida, que brota da semente, fica por conta da ação do próprio Deus. É Ele que faz acontecer o milagre do desabrochar da vida, depois da semente semeada. A nós, cabe a execução da tarefa de preparar a terra, semear a semente, e esperar a chuva, mas confiando na ação de Deus, que fará a sua parte. Tal experiência vale para a semente e também para a vida como um todo. Confiar sempre em Deus, que também confia que não ficaremos de braços cruzados, mas faremos a nossa parte.

“A vida também é feita de ‘pequenos’ encontros… Sejam de olhares, sejam de almas, sejam de flores!”. Foi com esta frase do poeta brasileiro Mário Quintana (1906-1994), que fiz o meu primeiro encontro do dia de hoje. Ao visitar o Araguaia, ainda muito cedo, dei de cara com a dona Teresa, uma das lideranças históricas de nossas comunidades. Esta mulher, foi uma das dezenas de amigos, que se dispuseram a ajudar-me no meu processo do irmão AVC, seja com as suas orações, e também financeiramente. Com a ajuda de sua neta, fez chegar a mim 20 reais, enrolados numa folha de papel surrado. Por mais que eu tentasse demovê-la da ideia, de que não podia fazer mais aquele sacrifício, ela vinha com o argumento de que podia faltar comida na sua casa, mas ela tinha que ajudar o padre Chico. Como o óbolo da viúva do evangelho, ela deu tudo o que tinha. Um encontro emocionado, pois chorava ela e chorava eu com os meus argumentos sem convencê-la.

“Pobre com os pobres e para os pobres”, era desta forma que Pedro definia a si mesmo, como pastor desta Igreja, da qual fazemos parte. Foi desta forma que este nosso profeta nos ensinou a viver. É desta forma que muitos membros da igreja da prelazia fazem a experiência de caminhar com o Ressuscitado. “Se a Igreja esquece os pobres, esqueceu o evangelho”, resumia numa pequena frase o bispo que caminhou conosco, desde o seu pastoreio por estas terras mato-grossenses. Um bispo que semeou a semente boa, mesmo se recusando a usar mitra, anel e báculo, como os demais bispos. Sua mitra era um chapéu de palha; seu anel, o anel de tucum; e seu cajado, um remo do Povo Iny (Karajá). Semente que fecundou na terra e no coração de muitos dos agentes de pastoral que aqui estão ou por aqui passaram com esta Igreja. Homens e mulheres guerreiras, como a dona Teresa, que finalizou a nossa conversa de hoje com a seguinte pergunta: “Padre Chico, o senhor se esqueceu que eu sou uma prelazia?”
Somos todos e todas, aqueles e aquelas que semeiam. A semente precisa ser lançada na terra. Jesus se encarregou de semear em nós as sementes do Reino. Ele é aquele que semeia a boa semente, alimentando os famintos, curando os doentes e machucados, transformando a dor das pessoas sem esperança, em sinais de alegria. Esteve envolvido com prostitutas, pecadores, gente sem prestígio. Confrontou os poderosos fundamentalistas, legalistas. Semeou a semente da verdade e do amor, mostrando a misericórdia e a ternura de Deus para com os mais pobres e vulneráveis. É este mesmo Jesus que seguimos e queremos também ser semeadores deste seu projeto.

Façamos a nossa parte como semeadores do Reino e deixemos que Deus faça a sua parte. Somos os semeadores da esperança de uma vida nova. Como nos diz Jesus no Evangelho de hoje: “O Reino dos Céus é como um homem que semeou boa semente no seu campo.” (Mt13,24) A semente contém em si o DNA da planta. Ao passar pela experiência da “morte” ela faz acontecer o misterioso processo de gerar novos frutos. Somos estes semeadores de que fala Jesus. Semear gestos concretos de justiça, solidariedade, fraternidade, compaixão, amorosidade, ternura… Gestos que estão presentes na semente que carregamos dentro dos nossos corações. Mais do que nunca somos convidados a ser esta boa semente, semeada onde quer que estejamos. Cada um e cada uma de nós fazendo a sua parte, sempre confiando na providência divina. Acreditando que ao fazer a nossa parte sigamos confiantes, como o cartunista Henfil: “Se não houver frutos, valeu a beleza das flores; se não houver flores, valeu a sombra das folhas; se não houver folhas, valeu a intenção da semente.”