Reflexão:
Festa da Transfiguração do Senhor
06/08/2021
A festa da transfiguração do Senhor é celebrada dia seis de agosto, quarenta dias antes da exaltação da Santa Cruz; esta festa tem origem na igreja armênia, no tempo de São Gregório Iluminador (século IV). Na Espanha, é celebrada desde o século X; em 1457, o papa Celestino II a introduziu no calendário romano, e São Pio X a elevou de categoria litúrgica.
Qual é o sentido da palavra transfiguração? Significa transformação, metamorfose, alteração de figura, das feições e das formas. Nesta visão, a transfiguração é o ponto de chegada de Jesus, o nosso e o de todo o universo. O nosso destino não é a desfiguração, mas a transfiguração. Nossa vida cristã é um processo de lenta transformação em Cristo até a transfiguração na imagem de Cristo glorioso.
Na Liturgia da Transfiguração do Senhor, veremos, na 1a Leitura (Dn 7,9-10.13-14), que o profeta Daniel mostra o mistério que governa e julga a história: o ‘Ancião’ é o próprio Deus, cercado por seus anjos, mediadores de sua ação na história. Os ‘livros’, nos quais são registradas as ações das pessoas, são abertos: começa o julgamento. O misterioso ‘filho de homem’ é uma personificação do povo fiel que recebe de Deus o reino que durará para sempre. O Novo Testamento vê Jesus, o instaurador do Reino de Deus, como esse misterioso ‘filho de homem que vem do céu’. Jesus é o Filho amado do Pai que recebe o poder, a glória e a realeza, a quem somos chamados a ouvir e a seguir.
Na 2ª Leitura (2Pd 1, 16-19), o apóstolo Pedro nos transmite o que significou para ele a experiência de Cristo transfigurado. O acontecimento foi, para ele, uma confirmação do que os profetas haviam dito. Aceitar o testemunho dos profetas, isto é, das Escrituras, para conhecer o Cristo, não é fundar a própria fé sobre fábulas, mas sobre a palavra mesma de Deus, lâmpada que brilha num lugar obscuro.
No Evangelho (Mc 9,2-10), vemos que o Cristo Glorioso da teofania é o mesmo crucificado, é o mesmo da Palavra, é o mesmo da Eucaristia e é o mesmo que está presente naqueles que sofrem e que são marginalizados.
Junto com Pedro, Tiago e João, somos convidados a experimentar a ‘teofania’, que pode ser um retiro espiritual, um curso de formação, um maior engajamento na Igreja. Ou seja, a teofania é uma realidade que ilumina outras realidades.
Teofania é, também, buscar a intimidade com Deus, sua amizade, para viver a justiça e a solidariedade, isto é, uma existência mística. No meio dos maiores sofrimentos, Deus nos dá o consolo. Na transfiguração, apareceram-lhe Elias e Moisés. Elias representa o movimento profético: vez e voz de todos os que são perseguidos e que sofrem. Moisés representa a Lei, isto é, a vontade de Deus.
Este trecho do Evangelho é uma catequese sobre o projeto de Deus e as dificuldades que encontramos no nosso dia a dia, pois, assim como Pedro, que não admitia um messias sofredor, nós também, às vezes, queremos um Cristo sem cruz. Tiago e João também discutiam, pelo caminho, quem seria o maior e ocuparia o primeiro lugar. Não querem compromisso com as realidades temporais ou não querem entender o sonho de Deus que é vida em abundância para todos, por isso eles dormem. O sono dos discípulos é o sono de quem não consegue acompanhar Jesus em sua oração e missão em união com o Pai. Depois de acordar do sono profundo, Pedro dá sinais de que não está sintonizado com o projeto de Deus: “Ele não sabia o que estava dizendo”. Pedro queria que Jesus, Moisés e Elias se acomodassem na montanha, desviando Jesus de sua missão, e que Ele se tornasse privilégio de alguns poucos. O Concílio Vaticano II já constatava que “o divórcio entre a fé professada e o comportamento quotidiano de muitos cristãos deve ser contado entre os mais graves erros do nosso tempo” (Gaudium et Spes – Alegria e Esperança, 43).
Em cada época, a sociedade mais abastada constrói suas tendas nas quais possa viver despreocupada e longe dos incômodos. Sem muito esforço, podemos perceber algumas tendas da modernidade: shopping centers, condomínios fechados, grandes eventos mercadológicos, celebrações-show etc. Essas tendas nos levam ao isolamento do grande público, enchem-nos os olhos de fantasia, anestesiam nossa consciência, fazem-nos esquecer os problemas que afligem a humanidade. A montanha é sempre mais interessante que a planície. Lá, o ar sempre renovado refresca, fascina, aqui, o ar ‘poluído’ cansa, estressa. A sociedade não leva em conta, porém, que o caminho da transfiguração passa pela cruz, pelo compromisso com os mais fragilizados e com a solidariedade. O Reino sonhado por Jesus se realiza com o dom da própria vida.
O Monte Tabor é um momento forte de ouvir Jesus falar: “Este é meu filho amado. Ouçam-no”. O verdadeiro discípulo não é aquele que se esconde em visões celestiais, e sim aquele que assume as contradições da história, encarnando os verdadeiros valores do evangelho. Será necessário, ainda, que, hoje, venham vozes do céu para nos dizer: “Homens da Galileia, por que ficais aí, parados, olhando para o céu?” (At 1,10-11). Se somos capazes de, mesmo que por instantes, vislumbrar pedaços do céu, sejamos também capazes de concretizá-lo, já, em ações que promovam aqueles que sofrem, que instaurem a justiça e que se posicionem contra tudo o que torna a vida indigna.
Para os três discípulos e para nós, permanecem duas ordens: a primeira vem do Pai: para ouvir o Filho amado. Ouvir é a atitude fundamental dos discípulos. Ouvir Jesus é entender o que disse e fez, para que seu ensinamento esteja vivo em nossa vida. A outra ordem vem do próprio Jesus que toca nos discípulos e pede que se levantem e não tenham medo de enfrentar os desafios da realidade.
No Monte Tabor, Jesus manifesta sua glória, mas nos chama à intimidade com Ele, para entrarmos na sua nuvem divina, contemplar o seu lindo rosto, nos apaixonar por Ele e escutar a voz do Pai.
Boa reflexão e que possamos produzir muitos frutos para o Reino de Deus.