Sábado de vento e um friozinho maneiro sobre o Araguaia. Uma brisa matinal sopra sobre os nossos rostos. Aproveitei para rezar e contemplar a Deus, com o sol, mais uma vez, trazendo o dia pela mão. Não me canso de admirar o esplendor de cada manhã no Araguaia! Do lado de lá do rio, a Ilha do Bananal, com toda a sua riqueza, faz nascer o sol, dourando o rio e as praias, que a cada ano formam-se, conforme a dinâmica do rio. Neste ano, todo o cais foi agraciado com a beleza delas, se bem que a cada ano que passa, o rio está mais seco nesta época. Segundo alguns estudiosos da causa, em 40 anos, não mais teremos o rio Araguaia. Suas águas estão sendo desviadas por grandes fazendeiros do Estado de Goiás, para a irrigação de suas lavouras.
Mesmo com tamanha beleza, poucos são aqueles que se fazem agradecidos a Deus, por nos presentear com este cartão postal. Acostumaram-se com o rosto de Deus emoldurado nestas manhãs. Um cenário paradisíaco que o amanhecer nos proporciona. Agradecer a Deus é o mínimo que cada um de nós, que aqui estamos, deveríamos prestar ao Senhor do Universo. Ingratidão é o nome desta peça. Aliás, ao longo da vida, perdemos a conta de quantas vezes fomos agraciados com as dádivas do Criador. Saber agradecer é um dom que aprendemos a cultivar ou não. Ingratidão não posso suportar!
Gratidão é mais do que um simples sentimento. É um estado de espírito, em função das dádivas daqueles que reconhecem uma determinada ação ou um benefício recebido. A gratidão ocorre sempre quando somos agraciados por algo que gratuitamente recebemos. Não é atoa que a palavra gratidão vem sempre acompanhada de outras palavras: amor, carinho, afeto, empatia, generosidade. Palavras cultivadas por um coração que traz em si a paz. Através deste gesto nobre do coração, as pessoas são capazes de retribuir e agradecer até mesmo pelo ar que respiram como obra do Criador.
Talvez tenha sido este um dos motivos que levou o dramaturgo e poeta castelhano Miguel de Cervantes (1547-1616) a afirmar que: “A ingratidão é filha da soberba.”
É do coração que partem as nossas decisões, as nossas atitudes. Segundo a tradição bíblica, as nossas decisões, os sentimentos e todo o nosso pensar advém do coração. Ele é o centro. De acordo com esta concepção, não é da nossa cabeça que parte o processo de decisão, mas do centro que é o coração. Isto é muito forte e decisivo, pois no nosso coração estão as nossas vontades, nossas atitudes, nossas intenções, pois ali é que está alojado a fonte de nossos pensamentos, ações e palavras. Desta forma, se não demonstro gratidão pelas “coisas” que recebo, significa que o meu coração não está apto às benevolências da vida. É como se estivéssemos vendo favores em tudo o que nos cerca.
Todos nós sabemos que estamos vivendo tempos muito difíceis. A vida se tornou num grande desafio. O fato de não podermos viver de forma “normal”, fez com que nos fechássemos nos pequenos “mundinhos” criados por nós mesmos. Isolamento e distanciamento social, significou num fechamento à todas as possibilidades de nos relacionarmos com as demais pessoas, suas dores e sofrimentos. Alguns de nós deixamos de olhar para além das suas próprias feridas, impossibilitando assim de enxergar o horizonte lá fora, em que famílias inteiras choram suas dores. A fome, o desemprego, a falta de perspectivas, não nos dizem respeito, conquanto “eu” esteja bem. Neste sentido, apagamos de nosso dicionário a palavra empatia, substituindo-a pelas palavras indiferença, omissão, repulsa, repugnância, desprezo.
O modelo de gratidão para o cristão é a pessoa de Jesus de Nazaré. Ele sabe ser extremamente grato ao Pai pelas suas atitudes em relação aos pequenos, pobres e marginalizados. Nos Evangelhos o vemos várias vezes demonstrando esta sua gratidão ao Pai. “Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste essas coisas aos sábios e inteligentes, e as revelaste aos pequeninos.” (Lc 10,21) Também na liturgia de hoje o vemos ter uma predileção especial para com as crianças, atitudes que os seus seguidores não souberam ter naquele contexto. Jesus não somente impõem as mãos sobre as crianças, mas as trazem para o centro, dizendo que delas é o Reino. Jesus demonstrando a sua gratidão por tê-las ali junto a Ele. Justamente as crianças que não eram valorizadas pela sociedade de sua época e não gozavam de nenhuma significação social. Delas é o Reino porque elas simbolizavam os pobres e marginalizados. Gratidão é saber reconhecer que a vida é uma dádiva de Deus a nós. Estar vivo significa que Ele ainda aposta suas fichas em nós.