Muita gente lê na Bíblia com espanto a passagem, onde Paulo pede para as mulheres serem submissas aos seus maridos em tudo: “As mulheres sejam submissas aos seus maridos, como ao Senhor, porque o homem é a cabeça da mulher, como Cristo é a cabeça da Igreja e o Salvador do Corpo. Como está a Igreja sujeita a Cristo, estejam as mulheres em tudo sujeitas aos maridos” (Ef 5,22-24). O texto causa perplexidade por parte das mulheres. Com efeito, a palavra submissão, em nossa língua, soa como controle e privação da liberdade.
O texto bíblico deve de ser analisado devidamente, no contexto do mundo judaico antigo. Naquela época havia uma visão de ordem hierárquica na organização da sociedade. São Paulo estabelece entre o casamento e a união de Cristo com a Igreja um paralelo em que os dois termos comparados se esclarecem mutuamente; pode se dizer que Cristo é o esposo da Igreja, porque é seu chefe e a ama como seu próprio corpo, assim como acontece entre marido e mulher; essa comparação, uma vez admitida, fornece um modelo ideal para o casamento humano. O símbolo dessa imagem é oriundo do AT, onde apresenta muitas vezes Israel como esposa de Javé (Os 1,2).
Tal como a cabeça dirige os demais membros do corpo, assim também na vida em família o marido era tido como a “cabeça” que devia dirigir a família. Certamente que naquele momento histórico, tal visão hierárquica prestava amparo ao machismo.
O leitor moderno não pode pegar tal passagem ao pé da letra, para insinuar uma pretensa inferioridade da mulher. A chave de interpretação deve partir do próprio ensinamento de Jesus, o qual pregou o amor e a igualdade das pessoas (Lc 10,25-37, Mc 9,33-37). Na mesma linha de raciocínio devemos ler o ensinamento do apóstolo: “Não há judeu nem rego, não há escravo e nem livre, não há homem nem mulher; pois todos vós sois um só em Cristo Jesus” (Gl 3,28).
São Paulo, ao pedir submissão das mulheres aos seus maridos, toma como ponto de partida Jesus, cabeça da Igreja, que amou seu povo incondicionalmente: “Sede submissos uns aos outros no temor de Cristo. E vós, maridos, amai vossas mulheres, como Cristo amou sua Igreja e se entregou por ela” (Ef 5,21. 25). Deste modo, a mulher deveria estar submissa ao marido, tal como este deveria estar submisso a Jesus, a ponto de ser outro Cristo para ela.
Por isso, em nossos dias, quando um homem insinuar que a mulher deve ser submissa a ele em tudo, então a mulher deverá lhe perguntar se esse marido realmente é outro Cristo para ela. Pois assim, na concepção de São Paulo, as mulheres estariam submissas aos maridos na medida em que esses agiriam como o Cristo para elas.
É partir da chave do mandamento do amor que devemos entender a Bíblia, na ótica da promoção dos direitos humanos. E São Paulo já fazia essa leitura, quando pregou a igualdade entre homem e mulher (Gl 3,28), quando deu espaço, nas suas comunidades, para as mulheres profetizar (1 Cor 11,5). Precisamos continuar em nossa leitura bíblica promovendo a dignidade e igualdade das pessoas, perante o direito.
Padre Gilson José Dembinski, é graduado em Teologia, Filosofia. Especialista em Psicologia Pastoral, Teologia Bíblica e Ensino Religioso, Orientação Espiritual, Parapsicologia Clínica e Hipnoterapia. Formação profissionalizante: Introdução à mágica.