Luta pela vida

Com o coração em sobressalto, inicio esta minha quinta feira bem longe de casa. Em Goiânia, onde faço o meu retorno médico. Acompanhando pari passu tudo aquilo que acontece no nosso maltratado país, sobretudo com os povos indígenas. Uma quinta feira especial para eles, que estão mobilizados, acompanhando o processo de votação que ocorre no Supremo Tribunal Federal (STF). Tudo indica que aquela Suprema Corte, dará prosseguimento hoje (26), ao julgamento que, se aprovado, definirá todos os processos de demarcação das terras indígenas no Brasil, significando assim o genocídio ainda maior contra os povos indígenas. Não ao “Marco Temporal”, esta é a palavra de ordem da vez para os povos originários. Inimaginável que os donos legítimos da terra, tenham que lutar para fazer valer aquilo que já está previsto em lei. Mas como se diz no Brasil, umas leis pegam, outras não!

Uma quinta feira diferente para mim. Tão longe de casa (1100 km) e ao mesmo tempo tão perto da luta dos indígenas que acontece em Brasília/DF. Estima-se que cerca de 6.000 indígenas estejam presentes estes dias na capital federal. São mais de 173 etnias distintas, se fazendo presentes e lutando pelo mesmo ideal. Neste sentido, eles nos dão uma grande demonstração de força e união para lutar pelos seus direitos, numa luta coletiva comum. Coisas que não somos capazes de desencadear, vendo nossos direitos sendo pisoteados no dia a dia. Um Brasil que está sendo destruído e mesmo assim, nos comportamos como se nada de tão ruim estivesse acontecendo. Lembro da experiência das formigas, quando vem a enchente. Elas se grudam umas às outras e uma delas fica agarrada a uma casca de pau, em meio a enchente. Assim que se veem em terra firme, todas elas se salvam.

Uma luta muito importante. Depois da promulgação da Constituição Federal de 1988, esta é a maior mobilização feita pelos povos Indígenas. Agora não mais para ver escritos os seus direitos na Carta Magna, mas para garantir que aquilo escrito na lei seja cumprido. A vida deles e de seus territórios tradicionais, assegurados constitucionalmente pelo Art. 231 da CF/88, estão severamente ameaçados. Daí porque também a presença firme da direção da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), se fazendo presente, prestando a sua solidariedade histórica aos povos originários. Presença e testemunho fiel à causa Indígena. Neste momento nunca é demais lembrar aquilo que fora dito por Deus à seu povo, rumo a libertação da escravidão no Egito: “Diga ao povo que avance.” (Ex 14,15) Avance rumo à seus direitos inalienáveis. Não à PL 490! Não ao Marco Temporal!

Avançar é preciso! Avançar na luta! Luta pela vida, como o dom maior que Deus nos deu. Luta pela terra, um bem também concedido por Deus a seus filhos. A Terra é a vida dos povos originários. Ela é sua Mãe que sustenta e cria as condições adequadas para sua vida naquele habitat. Ela é o útero materno que acolhe a força ancestral dos saberes tradicionais. A ameaça aos seus territórios, é a ameaça real às suas vidas. Tudo o que mais desejam é viver em paz em seus territórios sagrados imemoriais, preservando e cultivando seus usos, costumes e tradições segundo a sua maneira de ser e viver. Sua cosmogonia e cosmologia fazem parte daquele espaço sagrado, que gera a vida, não somete para os povos originários, mas para toda a humanidade.

“Se o dono da casa soubesse a que horas viria o ladrão, certamente vigiaria e não deixaria que a sua casa fosse arrombada.” (Mt 24,43), alerta-nos Jesus no texto do evangelho de hoje. Todavia, no contexto atual, estamos mais que cientes, quem são aqueles dos quais nos fala Jesus. As casas dos povos indígenas já estão arrombadas, suas terras invadidas, seus rios poluídos pela ação dos garimpeiros, a floresta derrubada e o fogo devorando tudo à sua volta. Por mais que já saibamos de todas estas coisas, ficamos passivos e vivendo as nossas vidas, como se não fosse conosco. São os indígenas que ainda preservam as florestas e garantem o oxigênio e as chuvas e toda a biodiversidade para restante de toda a humanidade.

Vivemos dias tenebrosos. A ganância dos poderosos do capital ditam as regras, causando o sofrimento dos pobres e indefesos. Nas nossas veias correm o sangue de indígenas e de negros. Somos um povo miscigenado com as riquezas advindas destas grandes culturas. Sem nos esquecer que: “Todos temos sangue de índio. Uns nas mãos, outros nas veias e outros na alma.” Lutar lado a lado com os povos indígenas é lutar pela nossa própria sobrevivência. Ou lutamos, ou morreremos todos sufocados pela inescrupulosidade dos que vem a terra como um bem de mercado. Contra estes, podemos fazer nossa a oração de dom Vicente Ferreira, bispo auxiliar de Belo Horizonte “Senhor, tu que fugiste de jegue para o Egito, mostra-nos um meio de nos livrar desse fascista brasileiro. Tu que entraste em Jerusalém montado num jumento, dá-nos a coragem de enfrentar o tirano que mata nossa gente.”


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.