Terça feira de mais uma semana que vai transcorrendo aqui pelas bandas do Araguaia. O calor voltou à ativa por aqui. Cheiro de fumaça no ar. Uma terça feira diferente, pois algumas nuvens cobriam esperançosamente o céu logo muito cedo. Possibilidade de chuva? Até o ventinho dela se fez presente nesta manhã. Bastou o astro rei aparecer para acabar com o meu entusiasmo de que iria cair uma chuvinha. Seria ótimo, quem sabe assim apagaria os focos de incêndio que insistem em queimar a nossa floresta, graças a ação criminosa de alguns “vermes” dentre nós.
Rezei nesta manhã também pedindo a Deus que venha a chuva abençoada. O nosso desejo de que ela venha é tanto que até sonhamos. Teimosamente, em meio a tamanha destruição, os ipês seguem florindo abundantemente. Também os pequizeiros soltam suas flores, aromatizando tudo a sua volta. Um corolário de aromas diversos. É o que está acontecendo sobre o túmulo de nosso profeta. Está coberto com as flores do pequi, tornando aquele espaço ainda mais significativo para os nossos olhos e coração. Em tais circunstâncias, impossível não nos lembrarmos de nosso querido cartunista Henfil (1944-1988): “Se não houver frutos, valeu a beleza das flores; se não houver flores, valeu a sombra das folhas; se não houver folhas, valeu a intenção da semente.”
Por falar em Henfil, amanheci hoje com o pensamento voltado para o nosso patrono da educação brasileira, o pedagogo, Paulo Freire. Ambos personagens de nossa rica trajetória histórica do pensamento e da educação, que se entrecruzam. Este ano por exemplo, estaremos comemorando o centenário do ilustre pernambucano. São 100 anos, cujas características maiores são a amorosidade, a paciência histórica e as ações pedagógicas libertadoras. Um entrelaçamento de três palavras significativas, que nos remetem à construção do pensamento libertário. Ainda muito cedo, no meu processo de ensino aprendizagem, tomei conhecimento da proposta de Freire e adotei como projeto para a minha vida, seu pensar filosófico sobre a educação, tendo como base uma de suas frases: “Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção.”
Conheci Paulo Freire quando ainda cursava a Teologia no Instituto Teológico São Paulo (ITESP). Foi uma verdadeira aventura, estar diante de uma das palestras proferidas por aquele homem tão sábio e ao mesmo tempo tão simples, no seu jeito de ser e falar. Viajávamos na linha da história de seu pensamento. Um linguajar que falava diretamente ao coração e a mente dos oprimidos, com uma pedagogia voltada para ajuda-los a superar a sua visão de mundo distorcida da realidade. Naquele atual momento histórico, já havia lido um de seus mais famosos livros, Pedagogia do Oprimido. Retomei a leitura e, por longos anos, esta sua obra prima se transformou no meu livro de cabeceira. Por onde andava a minha Bíblia (Edição Pastoral), lá estava também a “bíblia” da educação.
Paulo nos ajudou a ler o mundo. Aliás chegou até a afirmar com todas as letras, em 1989 que “a leitura do mundo precede a leitura da palavra”. Com tal afirmação, ele queria dizer que a realidade vivida, conhecida e interpretada, é a base para qualquer construção do conhecimento. Ou seja, os pequenos e oprimidos, lendo a sua própria história de vida e percebendo que são explorados não por mero acaso, mas que faz parte de uma estrutura de sociedade arquitetada para sugar o sangue e o suor dos pobres e marginalizados. Ler o mundo é ler a história com os olhos do oprimido, É tomar as rédeas da história pelas próprias mãos e tornar-se sujeitos de transformação. Um processo que começa na medida em que se abre os olhos e passa a enxergar o mundo sob uma nova perspectiva, com vistas à sua transformação.
Transformação que ocorrerá somente com o envolvimento dos oprimidos. Transformação que não virá pela ação dos grandes e poderosos do andar de cima de nossa sociedade. Neste sentido, nosso bispo Pedro tinha um jeito peculiar de falar sobre esta transformação. Na sua visão, ela viria com muita paciência, teimosia, persistência e insistência. A utopia de uma nova sociedade, precisa estar presente no horizonte de nossas perspectivas. O velho Marx já nos dizia lá no século XIX, que “a nossa pressa histórica, não apressará o momento histórico”. Todavia, o processo de transformação passa a acontecer na medida em que, percebendo o mundo e as suas contradições, vamos apropriando do saber, sobre este mundo, e nos colocamos em sintonia com os irmãos da caminhada, para juntos, construirmos a nossa história. História em que caiba os pequenos e excluídos, como Deus sempre sonhou para os seus. Pois aquele que fica esperando, que outrem faça a história no seu lugar, corre o risco de que esta construção não lhe caiba. “Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”, já nos dizia o cantor e compositor brasileiro Geraldo Vandré.
Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.