Quarta feira de 24ª semana do tempo comum. No dia de hoje, a liturgia reserva para nós a celebração de Nossa Senhora das Dores. Mais um dos títulos atribuídos a Mãe de Jesus. Neste dia, somos convidados a olhar para a “Comadre de Nazaré”, e com ela, trazer presente a vida de tantas Marias invisíveis, que lutam bravamente nas estradas da vida, testemunhando em si um rosário de dores. Olhar para as dores de Maria, é também olhar para as dores de tantas mulheres, marcadas pelo sofrimento, em decorrência de uma sociedade machista, patriarcal e feminicida, que ainda vê na mulher um ser subalterno, inferiorizando-a nas relações estabelecidas.
Sou proveniente de uma família mineira, caracterizada pela extensa prole. Cresci em meio a grandes mulheres guerreiras, que foram moldando em mim, o perfil de homem/mulher. Aquelas 12 mulheres, contando com a minha mãe, fundiram em mim, uma personalidade, cujo respeito ao ser feminino, fez com que eu trouxesse também dentro de mim o jeito feminino de ser. “A mulher é o esteio do mundo”, disse-me certa feita a minha humilde mãe. Estas mulheres de minha vida, ajudaram-me a olhar o mundo sob a ótica feminina, não permitindo que se apossasse de mim o sentimento machista, tão comum nas famílias mineiras de meu tempo.
Contemplamos hoje então Maria, a mãe de Jesus. A mulher que, mesmo sendo escolhida para trazer em seu ventre, o Filho de Deus, não foi poupada de viver em si as dores do mundo de seu tempo. Uma mulher simples do meio dos pobres, assume em si tamanha responsabilidade de ser a matriarca do projeto salvífico de Deus. Gerando para o mundo o Verbo encarnado, na realidade dos pobres. Seus primeiros passos foram já marcados pela angústia, de dar à luz em condições adversas e, ainda ter que fugir às pressas, para que o seu pequenino Jesus, não fosse assassinado ainda bebê por um rei déspota. Esta era a Maria de todas as horas, mulher forte e destemida, que assume pra valer o seu processo histórico, contribuindo enormemente com a História da Salvação.
Mais uma manhã abençoada. São Pedro resolveu nos agraciar com uma mansa chuva, daquelas de molhar a terra, fazendo sorrir o Araguaia, despido de suas volumosas águas. Rezei no dia de hoje com a ajuda de Roberto Malvezzi (Gogó) e de sua brilhante obra “Cristificação do Universo”. A faixa oitava deste LP, é a canção “Mãe do Universo”. Quantas vezes, acordei pela manhã, ouvindo esta canção, lá no Seminário Santo Afonso, na cidade de Aparecida/SP. O padre Ronoaldo Pelaquin, foi o responsável, possibilitando-me conhecer as melhores músicas, já que ele era o encarregado, em nos acordar a cada manhã, com estas pérolas do cancioneiro.
Maria de todas a dores. A liturgia do dia de hoje a coloca aos pés da cruz de seu Filho, vendo o seu sopro de vida se esvair, num calvário de dores. Mãe e Filho, experimentando na própria pele, a crueza de seus algozes, transpassando o coração daquela mulher, como havia profetizado o velho Simeão: “Uma espada de dor transpassará a tua alma”. (Lc 2, 35) A exemplo de muitas mulheres anônimas e invisíveis, Maria se coloca como protagonista do Projeto Messiânico de Jesus de Nazaré. Como mãe e seguidora de seu Filho, não arredou o pé, mesmo nas horas mais difíceis. A testemunha fiel, acompanhando os passos de outra testemunha fiel, que se entregou nos braços do Pai, como instrumento de transformação da história da humanidade. Maria a mulher pobre que assume sobre si, as dores dos pobres, como retrata nosso bispo Pedro em um dos versos de seu poema: “Seu Braço Poderoso, quebranta o capital, os mísseis e a miséria, enche dos bens do Reino a humanidade pobre e despede despidos os acumuladores para o reino das trevas”. (“Canta-nos teu Magnificat”, 2005):
Pedro tinha um jeito muito próprio de se relacionar com a Mãe de Jesus. Nesta relação de intimidade com Maria, ele a chamava com o codinome de “Comadre de Nazaré”. A mulher simples do meio do povo, fazendo de si o lugar empoderado de fala de tantas outras mulheres no grupo de Jesus. Se os textos bíblicos, não relatam a participação delas como protagonistas das ações, não significa que elas não estivessem presentes. Ao contrário, são elas que “mostram a cara”, como na cena aos pés da cruz de Jesus, no relato de hoje. Neste sentido, na caminhada de Igreja que Pedro instituiu na prelazia de São Félix, elas não somente estavam no centro, como também se fizeram protagonistas da evangelização, realçando o rosto feminino de Deus, através da participação decisiva delas, quebrando a lógica de uma Igreja hierárquica, clerical e patriarcal. Que a Mãe das dores nos ajude a ter como nossas as dores tantas outras mulheres sofridas no meio de nós! Maria, Mãe de Jesus e nossa! Uma grande mulher, como atesta Santo agostinho: “Maria era bem-aventurada porque antes de dar à luz o Mestre na carne, o levou no seio”.
Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.