As amizades de Jesus

Terça feira da 25ª semana do tempo comum. Um dia triste para todos nós que caminhamos pelas estradas da vida, inspirados pela Teologia da Libertação (TL). No dia de ontem (20), fomos surpreendidos com a morte do teólogo chileno Pablo Richard, aos 82 anos de idade. Uma tristeza infinda, toma conta daqueles que sonhamos com outro mundo possível, animados pela TL. Mais um dos expoentes desta teologia latino-americana que nos deixa. Sem sombra de dúvidas, a reflexão teológica da Igreja dos pobres, perdeu um de seus expoentes, que tanto contribuiu e ainda contribui com a libertação dos mais vulneráveis.

Tomei contato com a obra do teólogo Pablo Richard, quando ainda estava nos últimos anos do curso de filosofia pela PUC de Campinas. Uma de suas publicações repercutiu efusivamente entre nós. Sua tese “Morte das Cristandades e Nascimento da Igreja”, fora transformada em livro em 1982 pelas Edições Paulinas (SP). Este foi um dos livros de cabeceira de quando eu estava no noviciado (1984), num dos anos em que mais li em minha vida. Sua reflexão influenciou a caminhada da igreja inserida no meio dos pobres. Passamos a experimentar uma “eclesiogênese”, terminologia da teologia que quer se referir à origem da Igreja nos seus primórdios. Uma Igreja inserida no meio popular, pobre com os pobres e para os pobres.

Bebíamos todos e todas na fonte da Teologia da Libertação. Ela caiu como uma luva nas nossas lutas populares na década de 1980. O Continente latino-americano vivia o seu processo de ebulição na luta pela libertação de todas as formas de opressão. Mais do que um discurso, a TL nos motivava e nos fazia ver a presença libertadora de Jesus na caminhada de seu povo rumo à libertação. Uma teologia que nasce no berço empobrecido, para ajudar a desmistificar a pobreza, orquestrada por estruturas de exploração, opressão e injustiça, fazendo-nos ver que não se tratava da predestinação de algo querido por Deus. Pablo Richard chegou a afirmar em uma de suas entrevistas que, “enquanto houver pobres, haverá a Teologia da Libertação”.

“A essência da Teologia da Libertação é a defesa de que o Evangelho exige a opção preferencial para os pobres”, afirmava nosso bispo Pedro categoricamente. Não se trata de mero discurso ou de qualquer libertação, mas de uma libertação integral: das opressões econômicas injustas, da ignorância, do medo, do egoísmo, da indiferença, do pecado que gera a morte dos inocentes. Ainda na visão de Pedro, “ela é também uma teologia política, porque atinge e afeta estruturas políticas e sociais. Os profetas levantaram-se contra os reis, contra os invasores e anunciaram ao povo de Deus seus direitos, sua liberdade”.

“Dize-me com quem andas que te direi quem tu és”, assevera o dito popular. Assim era Jesus na sua vida pública. Gostava de andar com gente de má fama. Suas amizades denunciavam a sua condição, por estar no meio de gente que nada valia. Jesus opta pelos pobres e fez questão de estar no meio deles e ser visto com eles. Tal situação despertou a ira das lideranças político-religiosas de seu tempo, que achavam um absurdo para aquele que se dizia enviado por Deus e andava com aquela “gentália”. No texto de hoje, por exemplo, os fariseus ficaram furiosos com Jesus porque viram e perguntaram aos discípulos: “Por que vosso mestre come com os cobradores de impostos e pecadores?” (Mt 9,11)

O Reino é para os pequenos. Estar com eles é estar na mesma trajetória de Jesus, fazendo com eles história. Jesus e suas amizades nada convenientes, trazendo-lhe má fama, segundo a análise daqueles que se achavam “pessoas de bem”. Também nosso bispo Pedro era visto com receio pelos poderosos, e até por alguns setores da Igreja. Era criticado pelo que chamavam de “excesso de zelo”. Só andava de ônibus. Passava horas e horas dentro deles. Conta-se que certa feita, ele foi de ônibus para Brasília/DF, para participar de uma reunião da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Levou uma eternidade para chegar lá e os bispos lhe perguntaram: por que perder todo aquele tempo. Ao que Pedro lhes respondeu: “Perdi o mesmo tempo que os peões camponeses perdem para vir vender um saco de milho na cidade”.

Jesus, o servo de Deus na pessoa dos pobres. Sabe a que veio e não desviou de sua missão. “Eu não vim para chamar os justos, mas os pecadores.” (Mt 9,13). A missão de Jesus está intrinsecamente vinculada a justiça do Reino, que, por sua vez, pressupõe a misericórdia. Com tais atitudes, Jesus rompe as estruturas sociais que dividem as pessoas em boas e más, puros e impuros. Mostra ainda que sua missão é reunir e salvar aqueles e aquelas que a sociedade mesquinha e hipócrita rejeita como gente de má fama. Assim como Jesus, a Teologia da Libertação nos ajuda a ver que as estruturas de opressão e exploração são pensadas pelos poderosos e não fazem parte dos planos de Deus para os pequenos, como nos quererem fazer crer. Bem nos alertou Dom Hélder Câmara: “O verdadeiro cristianismo rejeita a ideia de que uns nascem pobres e outros ricos, e que os pobres devem atribuir a sua pobreza à vontade de Deus”.


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.