25ª semana do tempo comum. E não é que sextou! Uma sexta feira diferente, com nova roupagem. A primavera tratou de mudar o clima. Uma manhã fria e propensa a chuva. A fumaça finalmente foi disseminada e o ar se tornou mais afeito à respiração. Nossos pulmões agradecem. Já estamos iniciando o nosso período de “inverno”, como dizem os mais velhos. As chuvas chegaram e com elas a perspectiva de que o Araguaia volte ao seu leito normal. A cada ano ficamos torcendo para que haja as enchentes, pois é neste período que o rio se expande até os lagos, trazendo de volta os peixes (alevinos) que havia deixado no ano anterior.
Uma manhã propensa para um encontro pessoal comigo mesmo. O meu eu filosófico ganhou contornos de uma reflexão adequada ao momento histórico que ora estamos vivendo. Quem sou eu mesmo? Esta indagação salta do plano teórico metafísico e ganha a luz do contexto atual. Pergunta esta que se intercala com outras mais: quem sou eu? Quem é você? Quem somos nós, neste emaranhado que se transformou a nossa existência num contexto de pandemia? Oportunidade ímpar para, na intimidade com o Deus de Jesus, buscar uma resposta que esteja mais próxima do eu que habita o meu ser. Do meu ser enquanto ser, na compreensão ontológica, que é aquela em que o ser é concebido como tendo uma natureza comum que é inerente a cada um dos seres que somos nós, neste universo cósmico.
“Eu sou aquele que sou”. Esta foi uma das manifestações teofânicas que Deus fez de Si mesmo, ainda no processo de libertação dos hebreus do cativeiro no Egito. Theos, que quer significar “Deus”, e phainein, que é o “mostrar” ou “manifestar”. Teofania que nada mais é que a manifestação visível do próprio Deus, presente na caminhada de seu povo, por mais errante que este se coloque perante a vida. “Deus disse a Moisés: Eu sou aquele que sou». E continuou: Você falará assim aos filhos de Israel: Eu Sou me enviou até vocês”. (Ex 3,14). Deus que se revela inefavelmente como aquele que sempre foi, por mais que o próprio Moisés se sentisse incapaz de compreender na sua amplitude maior. Entretanto, Deus lhe assegura que estará com ele e que a libertação vai acontecer. Deus manifestando a sua identidade dentro do processo de libertação dos seus.
Mas quem sou eu afinal de contas? Como me defino dentro do meu plano existencial? Como defino a mim mesmo perante às pessoas e ao mundo? Como os outros me veem neste processo? São perguntas que por vezes parecem angustiantes, mas necessárias para fazermos um encontro conosco mesmos, na nossa intimidade de seres que habitamos este mundo. Responder a estas perguntas nos incomoda e também nos inquieta. Não gostamos de deparar-nos conosco mesmos. Vivemos como se estivéssemos fugindo de um enfrentamento conosco, como nos provoca a filósofa existencialista francesa Simone de Beauvoir. Adiamos o quanto podemos este reencontro, pois não gostamos de ver quem realmente somos de fato. Todavia, se somos a imagem e semelhança de Deus, como afirma o texto de (Ge 1, 26-28), nossa essência está permeada por Deus que habita em nós.
Formamos então em nós uma conjunção entre o meu eu e o outro que convive comigo. Esta inter-relação entre o meu eu e o outro faz com que eu tenha a compreensão de mim mesmo. O outro, como a um espelho, me faz revelar quem de fato sou, já que, como diz o filósofo francês Emmanuel Lévinas (1906-1995): “O outro é um outro eu”. Vamos nos descobrindo na medida em que nos relacionamos e nos deixamos revelar o nosso ser mais entranhando em nós. Por mais que na concepção de outro filósofo francês, Jean Paul Sartre (1905-1980), “O inferno são os outros”, é através do outro que também vou me permitindo ser quem sou.
“Quem diz o povo que eu sou?” (Lc 9,18) Esta é uma clássica pergunta feita por Jesus aos seus discípulos. Certamente, estava querendo saber qual era a verdadeira compreensão que as pessoas estavam tendo d’Ele e de sua missão no meio deles. Uma pergunta oportuna, que também continua sendo feita a cada um de nós, que nos colocamos no seguimento d’Ele. Quem é Ele para nós? O que Ele representa na nossa vida? Neste sentido, talvez não basta declarar e aceitar que Jesus é o Messias; como fizera Pedro, se não nos envolvermos em sua dinâmica libertadora, que pressupõe o enfrentamento das estruturas que levaram Jesus a morte e continua destruindo a vida dos pobres. Ser um com Ele, sabendo que, Aquele que Sempre Foi, é Um conosco.
Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.