As missões “religiosas” nas aldeias

Segunda feira, driblando a preguiça. Setembro começa a se despedir de nós, passando a bola para o mês de outubro. A semana só está começando. Muitas perspectivas se abrem no transcorrer desta semana. Caminhamos a passos largos rumo ao final de mais um ano. O segundo da pandemia entre nós. Segundo os cientistas, nada de relaxar, achando que estamos em segurança. Todo cuidado é pouco, ainda mais com as variantes de um vírus multiforme. Navegar é preciso e viver também.

Iniciamos a semana repercutindo positivamente uma das decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Nesta quinta feira última (23), o ministro Luiz Roberto Barroso, proibiu a entrada das missões religiosas nas aldeias indígenas isoladas. Para o referido ministro, “o momento de pandemia de Covid-19, exige um cuidado maior com os povos isolados”, uma vez que eles são mais suscetíveis a sofrer de doenças graves, trazidas por pessoas de fora. Evidentemente que tal veto da suprema corte não foi bem recebido pela Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional, alegando “perseguição” e uma afronta a “liberdade religiosa”. Paciência tem limite!

Esta situação me faz recordar de uma experiência vivida entre os povos indígenas. Um determinado pastor de uma destas igrejas evangélicas, que atuam no meio indígena, queria, insistentemente, que o cacique o ajudasse a convencer as pessoas da aldeia a participar de sua igreja. De tanto persistir, o cacique acabou dizendo àquele homem: “Nós indígenas, seguimos muito aquilo que a mãe natureza nos ensina. Se você observar, cada pássaro, faz o seu ninho de um jeito, e nenhum deles vai dizer ao outro, para que faça o seu ninho igual aos seu”. Achei aquela uma das atitudes mais sábias que já presenciei no meio deles. Nem preciso dizer que o cacique ficou sem saber o que falar.

Esta decisão do STF também me fez pensar na primeira vez que pisei em uma aldeia indígena. Nunca tinha estado em uma delas anteriormente. Um jovem padre, cheio de sonhos e ideias na cabeça, estava ali, diante daquela comunidade, completamente diferente de tudo o que eu já havia vivido até então. Mas também trazia na mente uma das principais recomendações de nosso bispo Pedro: “Não se esqueça de que você vai estar junto dos indígenas com a missão de “desevangelizar” e “descolonizar; já basta o que a Igreja fez no processo de colonização dos indígenas”. Palavra dita! Palavra cumprida!

Todavia, esta não é a preocupação maior de grande parte das missões “religiosas” nas aldeias indígenas. Estão lá para reproduzir um processo de evangelização, sem levar em consideração à cultura autóctone, às formas de relação com a ancestralidade e os valores cultuais de cada uma das nações indígenas. Reproduzindo a mesma coisa que a Igreja Católica fez na colonização brasileira, com a diferença de cinco séculos passados. Pedro, com sua sensibilidade de pastor dos pobres, sabia discernir que cada um destes povos possui a sua especificidade e o seu jeito de lidar com o sagrado e que precisa ser valorizado, respeitado. Desta forma, a presença do Agente de Pastoral no meio deles nada mais era pra ser, um com eles na sua luta pelo território, pela preservação de seus valores culturais e pela forma de organização de sua sociedade.

Com raras exceções, grande parte da atuação das missões religiosas no meio indígena faz muito mal a eles. Dia destes ouvi de um pastor de uma destas igrejas evangélicas: “as coisas que os índios fazem na sua cultura são coisas demoníacas. A própria língua que eles falam é coisa do diabo, pois não falam a língua que todos os brasileiros falam que é o português”. Sem nos esquecermos que um dos feitos de uma determinada Congregação Religiosa, foi exatamente, fazer com que todos os indígenas de uma etnia, deixasse de falar a língua materna, ensinando-lhes a falar a segunda língua. Uma tragédia, pois os missionários que vieram depois destes, estavam fazendo todo um esforço de um processo inverso, para recuperar a língua perdida.

Como se vê, a Igreja Católica teve um papel para lá de questionável, durante a colonização brasileira. Ao aceitar entrar na embarcação junto com o colonizador, tratou de fazer valer os seus dogmas e preceitos morais, ao dizer que os “silvícolas” que aqui habitavam, não tinham alma. Por este motivo, precisavam ser batizados o quanto antes, para adquirirem cada qual a sua alma e pararem de andar pelados, mostrando a sua “vergonha”. Onde já se viu, andar pelados por aí!? E nos seus projetos de aldeamento então, colocavam juntos, num mesmo espaço de missão, povos que eram historicamente rivais. Diante de tal contexto, resta-nos dizer como Darcy Ribeiro: “Só há duas opções nesta vida: se resignar ou se indignar. E eu não vou me resignar nunca”. Para aqueles que desejarem aprofundar no tema, uma boa referência de leitura é o livro, “O Paraíso Destruído” – Frei Bartolomeu de Las casas.


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.