“Kairós” e “Cronos”

Terça feira da 26º semana do tempo comum. Uma terça feira diferente, pois o sol resolveu dormir até mais tarde hoje. Timidamente, veio rompendo as nuvens que pairam sobre o Araguaia nesta manhã. Um dia atípico, fresquinho e propenso a chuva. Mesmo assim, uma algazarra se fez presente, com os meus amiguinhos cantarolando, enaltecendo com alegria o amanhecer. O tempo de Deus é também o tempo deles. Eles sabem viver o momento presente. Nós, ao contrário, não sabemos distinguir as duas coisas e nos arvoramos em preocupações e angústias infindas.

O tempo é agora! E este tempo é o de Deus. Vivamos com intensidade cada momento como se fosse único. Vivamos este “kairós”, uma palavra de origem grega, que designa o “momento certo”. O tempo “oportuno”. Este tempo é não-linear e não se pode determinar ou medir. Tempo em que as coisas acontecem no momento certo, quando temos a oportunidade ou mesmo a ocasião certa para determinadas coisas. “Kairós” que é diferente de “Cronos”, em que Pedro em uma de suas cartas nos alerta: “Para o Senhor, um dia é como mil anos e mil anos são como um dia (2 Pd 3,8). Ou seja, Deus não mede o tempo como nós o fazemos. Lembrando que as nossas preocupações rotineiras no “cronos”, não apressarão o tempo de Deus “Kairós”.

O tempo é hoje, no aqui e agora de nossas vidas! Não há como adiar as nossas ações, esperando pelo dia de amanhã. Pode ser que o dia de amanhã não esteja mais no “aqui” de nossa caminhada. Então o “kairós” – “tempo de Deus”, é o nosso momento oportuno único, presente no espaço de um tempo físico, determinado pelo “Cronos” de nossa história de vida. Não fujamos, portanto, à nossa responsabilidade deste período ideal para a realização de nossas ações específicas, que podem ser um objeto, processo ou contexto vital.

Deus se faz presente agindo na história. Somos nós as ferramentas que Ele usa para intervir, fazendo acontecer o seu Reino entre nós. O mais importante para nós, é nos colocarmos dentro deste “kairós”, retroalimentando o processo histórico de um mundo mais humanizado e feliz para todos e todas. Por mais que o “Cronos” antagonicamente esteja relacionado com a ideia de tempo cronológico e físico, como as horas, os minutos, os dias, devemos estar cientes de que somos os construtores desta outra realidade possível, mas dentro do “tempo de Deus”. Não temos a dimensão do todo. Somente Deus é conhecedor de tudo e tem a visão do conjunto da vida. Só Ele conhece de antemão todos os momentos.

Somos desafiados a cada momento a nos posicionarmos diante da dinâmica da vida. Ser e estar presente ativamente nos meandros da história. “Ser ou não ser, eis a questão”, nos diria Hamlet em um de seus monólogos em uma das peças de William Shakespeare. Ansiamos pela plenitude e desejamos a todo momento realizá-la. Entretanto, isso fica limitado pelos momentos incertos de nossas vidas. Resta-nos então encarnar o momento presente como dom de Deus, e ter o discernimento necessário para fazer a coisa certa no momento certo. Estamos ou não estamos em sintonia com o tempo de Deus? Mediante a esta retórica, não há espaço para a indiferença. “Tome partido. Neutralidade ajuda o opressor, nunca a vítima. Silêncio encoraja o torturador, nunca o torturado” nos provoca o escritor judeu, sobrevivente dos campos de concentração nazistas, Elie Wiesel (1928-2016).

Viver o aqui e agora do “tempo de Deus”, sem esperar que o amanhã seja mais propício às nossas ações. O tempo não espera. Ele não aguarda por nós e pela nossa vontade. Sejamos ativos. Amar agora! Perdoar agora! Ser feliz agora! Sair à luz do dia agora! Envolver-se agora! Conviver agora! O amanhã pode não ser. O “Kairós” é hoje e o “Cronos” nos dirá. Fazer o bem sem olhar a quem não como uma qualidade nossa, mas como um dever a ser cumprido. Não sejamos indiferentes, afinal: “O oposto do amor não é nenhum ódio, é a indiferença. O oposto de arte não é a feiura, é a indiferença. O oposto de fé não é nenhuma heresia, é a indiferença. E o oposto da vida não é a morte, é a indiferença”. (Elie Wiesel)


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.