Testemunho, profecia e martiria

Sábado da 28ª semana do tempo comum. Chegamos a mais um final de semana. Entramos na segunda quinzena do mês missionário. Cada vez mais, somos desafiados a entrar em sintonia com o Projeto de Deus revelado em Jesus de Nazaré, dando cumprimento a nossa missão neste mundo. Por mais que as nossas ações devam ser coletivas, relacionando-nos com os nossos irmãos e irmãs, a nossa resposta é pessoal, individualizada. Cada qual de nós responderá pelos seus atos. Nunca devemos nos esquecer de uma das falas do próprio Jesus: “A quem muito foi dado, muito será exigido; e a quem muito foi confiado, muito mais será pedido. (Lc 12,48)
A nossa responsabilidade aumenta na medida em que vamos tomando consciência da nossa missão, e descobrimos aquilo que devemos fazer, para dar conta dela. Não basta viver reduzindo a vida apenas às “doxologias”, como muitos de nós cristãos assim o fazemos. Se bem entendido, doxologia aqui, é aquela expressão que significa viver a vida cristã apenas com atitudes de louvor, honra e glória à Deus. Etimologicamente, Doxologia advém da palavra grega, formada por dois vocábulos: “doxa”, que significa “glória”, e “logia”, de logos, que significa “palavra”. Desta forma, o “seguidor”, a “seguidora” de Jesus, se contenta apenas, em viver a sua vida de fé, rendendo graças, louvores e glórias à Deus, como alguns dos movimentos fazem questão de exercer o seu compromisso perante à sociedade. Como diria a Madre Teresa de Calcutá: “Nós temos que transformar o nosso amor a Deus em ação”.
Testemunhar a fé é algo que envolve muito mais do que uma simples vida de orações intermináveis nos templos. Requer atitudes de presença no mundo em meio ao conflito, daqueles e daquelas que se colocam ativos perante o Plano de Deus, e fazem de suas vidas ações libertadoras. Mais do que dizer amém a tudo, o cristão se coloca numa perspectiva inconformista, frente à uma sociedade desigual que desagrada frontalmente ao Projeto de Deus. Viver a fé sem o testemunhar é meramente uma fé claudicante e sem nexo. O próprio Jesus afirma categoricamente: “Eu digo a vocês: todo aquele que der testemunho de mim diante dos homens, o Filho do Homem também dará testemunho dele diante dos anjos de Deus. “ (Lc 12,8)
Testemunho este sempre regado pelo dom da profecia. Anunciar sempre a Boa Nova do Reino, denunciando todos os projetos de morte que se articulam, ameaçando a vida dos pequenos e marginalizados: pobres, pretos, mulheres, favelados, indígenas, pessoas em situação de rua. Dificilmente alguém conseguiria ser coerente na sua fé verdadeira, sem que deixe de exercer o seu testemunho movido à profecia. A profecia é inerente a missão daquele e daquela que servem, na mesma perspectiva de Jesus. Testemunho e profecia sem medo de arriscar a própria vida. Quem tem fé genuinamente verdadeira não tem medo, pois a missão se baseia na verdade, que desnuda toda a mentira de um sistema social injusto, cruel e desumano.
A terceira parte deste tripé do qual constituímos a nossa vida cristã é a vida martirial. Martírio que se resume basicamente na capacidade de dar a vida pelas causas do Reino. Amou tanto que se entregou. O mesmo “faça-se em mim segundo a tua vontade” (Lc 1,38), da Mãe de Jesus e nossa. Sonhamos com esta Igreja martirial que segue nas mesmas pegadas de Jesus de Nazaré. Uma Igreja não somente preocupada em “pregar” a Palavra, mas de ser ela mesma um testemunho vivo do sonho de Deus para os pequenos. Quem tão somente está preocupado em “pregar” a Palavra, corre o risco de não ter tempo para trazê-la presente, como testemunho de vida no mundo. Antes de anunciar a Palavra, ela precisa sair de dentro do nosso coração e ser vibrante nas nossas ações na sociedade em que vivemos. Assim, quem sabe, possamos superar a dicotomia da qual nos alertara Jesus: “Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim”. (Mt 15,8)
“A graça maior que Deus pode conceder a alguém que segue os passos de Jesus é o martírio”, dir-nos-ia o nosso bispo Pedro. Ele, mais do que ninguém, soube conjugar a martiria em sua vida de pobre, com os pobres e para os pobres, à frente da Igreja da Prelazia de São Félix do Araguaia. Viveu o seu martírio, convivendo e sendo consumido diuturnamente pelo Mal de Parkinson. “Nunca reclamei do irmão Parkinson”, afirmava. Viveu e conviveu com este seu irmão até os últimos dias, em que esteve neste plano terrestre entre nós. Como testemunha viva do Ressuscitado, escolheu a terra, os povos indígenas, as mulheres marginalizadas, os peões, o povo negro e a causa ecológica, como razão principal de seu viver neste mundo. Testemunhou a fé. Exerceu a profecia em vida e se fez martiria pelo Reino, deixando-nos o legado de quem combateu o bom combate. Certamente, segue fazendo poesias junto de Deus, na companhia dos Mártires da Caminhada.


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.