São João Paulo II: ardoroso Pastor da Igreja, testemunha da misericórdia de Deus

O dia 22 de outubro passou a ser marcado pela memória litúrgica de um grande santo do nosso tempo, um daqueles de quem a maioria de nós conheceu a face e testemunhou muito do que ele realizou: o Papa João Paulo II. Ele não foi apenas o grande pastor que guiou a Igreja por um longo periodo, tendo tido um longo papado. São João Paulo II viveu de forma intensa a própria espiritualidade sacerdotal, defendeu com grande intensidade as verdades da fé e da moral cristã, foi ao encontro de muitos povos vivendo o ardor missionário e empenhou-se intensamente por defender a liberdade e a dignidade de cada ser humano.

Karol Josef Wojtyla nascido em Wadowice, uma pequena cidade ao sul da Polônia, vizinha a Cracóvia, o mais novo dos tres filhos de Karol Wojtyla e Emilia Kaczorowska, nasceu em 18 de maio de 1920. A mãe morreu aos 13 de abril de 1929, quando Karol tinha apenas oito anos. Sua irmã mais velha Olga ja tinha morrido antes do seu nascimento e o seu irmão Edmund morreria não muito tempo depois. O pai, que foi suboficial do Exército da Polônia, morreria por um ataque cardíaco, em 1941. Com isso, ainda muito jovem, Karol ja tinha perdido todos aqueles que ele amava na família.

Como garoto, Karol gostava muito dos esportes, dedicando-se ao futebol. Quando ele se mudou com o pai para Cracóvia, em 1938, matriculou-se na Universidade Jaguelonica, onde estudaria filologia e línguas, tendo aprendido neste tempo 12 idiomas diferentes. Com o início da Segunda Guerra Mundial, em 1939, a Universidade foi fechada, e todos os jovens foram obrigados a trabalhar: Karol trabalhou em empregos muito diversos, tendo sido operário em uma mina e em uma indústria de calcário. A morte do pai, fez com que ele considerasse seriamente a ideia do procurar o sacerdócio. Com isso, em outubro de 1942, ele bateu as portas do arcebispo de Cracóvia, Adam Stefan Sapieha, que mantinha um Seminário clandentino, e pediu para estudar.

Nesse período, depois de ter passado por um atropelamento por um caminhão e, depois de ter escapado das perseguições nazistas em 1944, Karol recebeu a confirmação da sua vocação. Quando os alemães fugiram da cidade em janeiro de 1945, os estudantes puderam retomar seus estudos no Seminário. Foi assim que, em 1 de novembro de 1946, Karol foi ordenado sacerdote em Cracóvia. Ele, então foi estudar em Teologia em Roma, tendo obtido o seu doutorado com uma tese sobre “A doutrina da fé em São João da Cruz”. Retornando em 1948 para a Polônia, assumiu a paróquia de Niegowic, e, em 1949, foi transferido para a paróquia de São Floriano, em Cracóvia. Nesse tempo, Karol ensinava Ética, na Universidade Católica de Lublin, onde juntou um grupo de jovens com os quais se reunia para rezar, discutir filosofia e visitar os cegos e os doentes.

Em 1954, obteve o seu segundo doutorado em filosofia e passou a escrever muitos artigos, além de livros de literatura e teologia, como a obra “Amor e responsabilidade” (de 1960), na qual defendia os ensinamentos da Igreja sobre a moral sexual e o casamento. Em 4 de julho de 1958, Karol foi nomeado bispo auxiliar da Arquidiocese de Cracóvia. Com 38 anos, ele foi consagrado o bispo mais jovem da Polônia. Com a morte do arcebispo em 1962, ele foi nomeado vigário capitular (administrador temporário da diocese). Em 1964, foi escolhido arcebispo de Cracóvia e, em 1967, o Papa Paulo VI o escolheu para o Colégio dos Cardeais. Um ano antes de ser eleito Papa, o Cardeal polonês abriu e consagrou a Igreja de Nossa Senhora Rainha da Polônia, em Nowa Huta, apesar da oposição do governo comunista da época.

Depois da prematura morte do Papa João Paulo I, o conclave elegeu o Cardeal Karol Wojtyla como o 264º Papa da Igreja Católica, com apenas 58 anos, sendo que a cerimônia de posse papal se deu em 23 de outubro de 1978. Como se sabe, João Paulo II governou a Igreja até a sua morte, em 2 de abril de 2005, ou seja, por 26 anos, 5 meses e 17 dias. É dificil resumir em poucas linhas, tudo quanto este Papa realizou em um tão longo Papado. Os seus ricos ensinamentos, presentes nas suas 14 encíclicas e nas suas 15 exortações apostólicas, além dos seus incontáveis discursos e audiências, abraçam uma vastidão de temas, como a família, a evangelização, a atividade missionária, a catequese, as vocações sacerdotais, o apostolado dos leigos, o ecumenismo e o diálogo interreligioso, a Eucaristia, a ética e a moral, além da doutrina social da Igreja.

Tratando especialmente da espiritualidade que faz do Papa João Paulo II um santo, deve-se dizer que esta foi muito profunda e muito intensa. A começar pela grande devoção a Maria Santíssima, expressa já da escolha do seu lema (Totus tuus), e do modo como promoveu as práticas devocionais a Nossa Senhora, como a oração do Santo Rosário e a peregrinação aos santuários marianos. A sua vida espiritual era também marcada pelo Espírito Santo. Ele aprendeu a rezar e a invocá-lo ainda moço, quando tinha dificuldades com a disciplina como coroinha e com a matemática na escola. Mais tarde, ele passaria a dizer: “A situação do mundo é perigosa demais, muito perigosa”. Ele advertia sobre o perigo do materialismo que é a negação da vida espiritual. Por isso, precisamos do Espírito Santo em nossas vidas. Um dos colaboradores mais estreitos do Papa, o Cardeal Giovanni Battista Re, testemunhou certa vez que, mesmo tendo muitos empenhos e tarefas em toda a sua jornada, sempre que concluía alguma atividade, ele passava pela capela. E sempre que tinha de tomar decisões importantes, transcorria muito tempo em oração.

Um outro aspecto fundamental na sua espiritualidade, foi a sua forte devoção à Divina Misericórdia. Além de ter escrito a encíclica “Dives in misericordia” (“Deus, rico em misericordia”), em 1980, e de ter canonizado Santa Faustina Kowalska, a vidente polonesa falecida em 1930, instituiu também, no ano 2000, o Segundo Domingo de Páscoa como o Domingo da Divina Misericórdia. Em 2002, quando consagrou o Santuário da Misericórdia de Laglewnlkl, em Cracovia, o Papa santo afirmava: “Fora da misericórdia de Deus não há qualquer fonte de esperança para os seres humanos”.

Quis a Providência Divina, que São João Paulo II morresse justamente num sábado, na Vigilia da Festa da Divina Misericórdia de 2005. Apenas seis anos apos seu falecimento, em 1º de maio de 2011, o Papa foi proclamado beato. Em 2014, escolheu-se o dia 27 de abril, durante a Festa da Divina Misericórdia daquele ano para a canonização do Papa João Paulo II, juntamente com o Papa João XXIII. A memória de João Paulo II é ainda muito presente no coração de tantos. Os seus escritos e o seu magistério permanecem como uma fonte riquíssima para a vida cristã, em muitos dos seus aspectos. Mas, sobretudo, peçamos a sua intercessão, para que, amparados pela Mãe de Jesus, alimentados pela Eucaristia, sustentados pela Misericórdia de Deus e iluminados pelo Divino Espírito Santo, sigamos também nós firmes na estrada que nos leve à eternidade.


Padre Felipe Fabiane, sacerdote da Diocese de Guarapuava – PR. Doutor  em Direito Canônico pela Pontifícia Universidade Lateranense de Roma, atualmente é secretário da Nunciatura Apostólica no Zimbabwe, sul da África.