A fome e a pressa de viver

Quarta fera da 1ª semana do Advento. Dezembro chegou, despedindo-se de novembro com muito calor aqui pelas bandas da Prelazia de São Félix do Araguaia. Novembro foi de muita chuva. A expectativa é a de que neste mês também as tenhamos em abundância. Segundo os mais antigos por aqui, no próximo sábado, dia 04, teremos mais chuva, pois será a lua Nova. Sabedoria que se nutre pela experiência de vida nos passos da lua. Nunca erram! Também os povos indígenas se orientam pelos ditames da lua. Sabedoria milenar.

Povos indígenas que seguem na sua sina de permanente ameaça. Seja às suas vidas, seja a de perda de seus territórios. Uma luta que vem de longe, desde a chegada do invasor branco europeu. Povos originários que reviveram um dia muito triste nesta última quinta feira (25) Naquele dia, no ano de 1983, foi assassinado o líder Guarani-nhandevá Marçal de Souza, aos 63 anos. Cinco tiros à queima roupa, tirou a vida em sua casa na aldeia Campestre, em Bela Vista (MS). Tudo por causa de sua Luta pela demarcação de suas terras na região de Dourados, denunciando a exploração ilegal de madeira, a escravização de seu povo. Ele que havia discursado ao Papa João Paulo II, em 1980, por ocasião de sua visita ao Brasil: “Nossas terras são invadidas, nossas terras são tomadas, os nossos territórios são invadidos. Dizem que o Brasil foi descoberto. O Brasil não foi descoberto não, o Brasil foi invadido e tomado dos indígenas do Brasil. Essa é a verdadeira história”.

A pandemia segue no clima de incertezas. Se antes sentíamos um pouco seguros com a vacinação, inclusive com a dose de reforço, tudo volta à estaca zero. Depois do surgimento desta nova variante Ômicron, a comunidade científica está desesperada, uma vez que as atuais vacinas não possuem eficácia contra esta nova cepa. Novas medidas estão sendo tomadas para o enfrentamento desta realidade atual. Tudo indica que os eufóricos carnavalescos, vão ter que esperar mais um pouco para que possam colocar os seus blocos nas ruas.

Enquanto isso vamos também convivendo com a realidade cruel da fome. Chamou-nos a atenção nestes dias, a cena da criança que desmaiara na sala de aula, pois fazia dois dias que nada comia em sua casa. Por mais que tentem desviar o foco, a fome é uma realidade que assusta e amedronta. Cerca de 811 milhões de pessoas passam fome no mundo, é o que diz os dados do relatório da Organização das Nações Unidas (ONU). Segundo este mesmo relatório 22% das crianças no mundo estão subnutridas. Não é que há escassez de comida para estas pessoas. Se a população mundial é constituída de 7 bilhões de pessoas, estima-se que a produção de alimentos a nível mundial dá para alimentar 11 bilhões de pessoas.

Alimentos há. O que falta é vontade política e interesse em saciar a fome destas pessoas. Numa sociedade, cuja concentração de bens e riquezas é uma das mais gritantes do mundo, o Brasil figura entre os três maiores produtores de alimento do mundo. Alimentos não para saciar a fome de seu povo, mas objetivando as tais commodities. Ou seja, matérias primas para exportação. Assim, persiste entre nós a pobreza e desigualdade de renda, mantendo as dietas saudáveis fora do alcance de cerca de três bilhões de pessoas, em todas as regiões do mundo.

É a velha política nefasta do “deus” acima de tudo e os pobres abaixo de nada, como bem sintetizou o nosso padre Júlio Lancellotti. Contrariamente a esta situação, nos deparamos com Jesus na liturgia do dia de hoje fazendo exatamente o contrário: saciando a fome de uma ralé que o acompanhava (Mt 15,29-37). Jesus, movido pela misericórdia e compaixão, se preocupa com aqueles que estão famintos e toma atitude. “Tenho compaixão da multidão, porque já faz três dias que está comigo, e nada tem para comer. Não quero mandá-los embora com fome, para que não desmaiem pelo caminho” (Mt 15,32).

Ele que se faz Pão e se dá como alimento, Jamais olha para a realidade a sua volta e lava as mãos, como se nada tivesse com aquilo (e daí?), mas se envolve por completo no intuito de fazer algo concreto que satisfaz. Jesus se fazendo plenamente Eucarístico. A palavra eucaristia vem da junção de duas outras palavras gregas: “eu” e “cháris”, que significa “reconhecimento” ou “ação de graças”. Ele que é alimento quer que também sejamos alimento para os famintos de agora. Quando celebramos a Eucaristia acontece o mistério da transubstanciação, que é a mudança da substância do pão e do vinho na substância do Corpo e Sangue de Jesus Cristo no ato da consagração. Jesus que responde positivamente frente a realidade de fome das pessoas e quer que sejamos instrumentos de transformação da realidade que provoca, intencionalmente, a fome através pela forma de organização de nossa sociedade. Participar deste sacramento primordial do memorial da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus é lutar para que o pão nunca falte à mesa de nossos irmãos e irmãs. Jesus o alimento que se faz Eucaristia. Que sejamos este pão para os corpos eucarísticos que passam fome entre nós!

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.