Quinta feira da 1ª semana do Advento. Dezembro vai ganhando forma em meio às contradições da vida. Os tempos são cada vez mais estranhos. Ainda ontem, por exemplo, o Plenário do Senado aprovou o nome de André Mendonça para ocupar o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). O que mais chama a atenção é que este senhor foi indicado por ser “terrivelmente evangélico”. Resta saber se naquele espaço em que vai atuar como membro daquela corte de justiça, fará prevalecer a sua postura ultraconservadora de evangélico, ou será que a prevalência da justiça ficará em segundo ou terceiro plano?
Contradições que se sucedem no cenário de nosso país, sobretudo quando se refere aos povos indígenas. Ainda ontem, foi veiculada em algumas mídias, a situação do Povo Munduruku. Esta Nação indígena está 100% contaminada com mercúrio. Pelo menos, esta é a conclusão a que chegou uma pesquisa realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Os Munduruku são nossos vizinhos por aqui, uma vez que o seu território imemorial sagrado está localizado no médio Rio Tapajós, entre os municípios de Itaituba e Trairão. Tal contaminação pelo mercúrio se deve ao fato de estarem, há pelo menos, 70 anos expostos à atividade garimpeira ilegal na região, segundo dados da pesquisa da Fiocruz.
Como se não bastasse a condenação de toda uma Nação, a começar pelas suas crianças, que estão com o seu futuro comprometido, cerca de 600 quilômetros do Rio Tapajós, está seriamente contaminado pelos metais pesados que são utilizados pela atividade garimpeira ilegal, sobre o território da etnia Munduruku. Sua água e os possíveis peixes que ainda restam, estão impróprios para o consumo. Lembrando que esta seria também uma das pesquisas que a Fiocruz iria realizar no território do Povo Yanomami, não fosse ela impedida (proibida) pelos militares da Funai. A realidade deste último povo é ainda mais séria e contraditória, devido a ação ilegal de mais de 20 mil garimpeiros que estão instalados naquele território.
O homem é um ser sem juízo. A sua voracidade em acumular bens e riquezas o faz passar por cima dos valores que nos constituem como seres humanos. Desumanizamos quando colocamos o bem individual acima do bem coletivo. O ser humano, bem que poderia estar num patamar mais avançado espiritualmente, não fosse a mediocridade de alguns que não conseguem vislumbrar uma visão global e racional da vida que precisa ser pensada para todos e todas. Uma “Casa para todos e que caibam a todos”. Sobre este contexto, bem observou o líder tibetano Dalai Lama: “O Planeta não precisa de mais pessoas de sucesso. O Planeta precisa desesperadamente de mais pacificadores, cuidadores, restauradores, contadores de histórias e pessoas amorosas de todo tipo”. Pessoas regidas pela boniteza e amorosidade, dir-nos-ia Paulo Freire. Pessoas imbuídas do espírito Jesuano, diria eu.
Nesta mesma linha de raciocínio, caminha o Mestre Galileu no texto do evangelho proposto pela liturgia católica para o dia de hoje (Mt 7,21.24-27) Jesus vai no cerne da questão ao chamar o homem de um ser “sem juízo”, porque não consegue ser coerente na vivência prática de sua fé. É capaz de trazer sempre presente em sua boca as expressões de louvor à Deus, mas se torna incapaz de traduzir estes louvores em ações concretas em favor daqueles que mais necessitam. Enxergam um Deus invisível, mas não o Deus que se faz presente nos filhos e filhas seus. Situação bem típica daqueles que não saem de dentro das igrejas, mas que não conseguem ser Igrejas vivas, quando a situação pede o seu testemunho de fé engajada e comprometida com a transformação da realidade e suas contradições.
Jesus nos pede que construamos a nossa casa sobre a rocha. Claro que não se trata apenas de uma construção individualizada, mas somos assim desafiados a construir a nossa Casa Comum. A comunidade dos “crentes” somos chamados a edificar um mundo mais humanizado e que a vida das pessoas seja salvaguardada. Neste sentido, reconhecer Jesus como o “Senhor”, não quer dizer nada, se este ato de fé não for acompanhado de ações concretas e coerentes. O próprio São Tiago já nos dizia: “A fé sem obras é morta”. (Tg 2,26). Desta maneira, o alerta de Jesus é claro: Construir um mundo sob a perspectiva cristã dos valores do Evangelho, é viver permanentemente de acordo com justiça do Reino, tendo como pano de fundo as “Bem Aventuranças” (Mt 5,1-12). Afinal de contas, “Nem todo aquele que me diz: ‘Senhor, Senhor’, entrará no Reino dos Céus, mas o que põe em prática a vontade de meu Pai que está nos céus” (Mt 7,21). Teoria e prática caminhando lado a lado. Nosso exemplo maior é o próprio Jesus que viveu e praticou aquilo que ensinou. Um mundo mais igual e fraterno para todos, quem sabe inspirando-nos nas palavras de nosso bispo Pedro: “Não ter demais. Não ter só para si. Não ter às custas dos outros. Ter para servir. Fazer com que os outros tenham o mesmo”. Com muito juízo.
Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.