O maior e o menor

Quinta feira da terceira semana do Advento. Devagar, vamos nos preparando para o Natal. São quatro semanas que a Igreja nos propõe como momentos de preparação, para chegarmos à feliz data, com o coração aberto para acolher o Deus-Menino. Um chamado explícito à conversão: do coração, da mente, das atitudes, do nosso jeito de ser e viver neste mundo. Lembrando que o processo de conversão faz parte da vida do cristão. Ela está intrínseca à nossa vida de seguidores e seguidoras do Mestre. É a manifestação externa daquilo que se passa no nosso coração e precisa acontecer a cada dia. Um dia de cada vez.

Com tantos dissabores que estamos vivendo nestes últimos tempos, talvez nos perguntemos: será que ainda temos motivos suficientes para celebrar o Natal? Certamente, esta é uma das perguntas que passa pela mente de muitos dos nossos. Pode até ser que existam pessoas que não tenham respostas para tais indagações. Entretanto, não nos esqueçamos de que somos filhos e filhas do Deus do impossível. Nestas horas, não custa nada nos lembrarmos do pobre Jó, que tinha uma convicção muito clara para si: “Bem sei eu que tudo podes, e que nenhum dos teus propósitos pode ser impedido.” (Jó 42,2)

Este é o desafio que temos pela frente, ao nos prepararmos para celebrar o Natal. De desafio em desafio! Também “de esperança em esperança”, como costumava dizer-nos Dom Paulo Evaristo Arns. Portanto, somos os filhos e filhas desta esperança maior que nos vem do próprio Deus de Jesus de Nazaré. O Deus da vida que se traduz no Deus amor. Ele tudo pode e se faz presente conosco nestas delongas da vida. “Não somos filhos de chocadeiras”, como costumam dizer as mulheres aqui do sertão do Mato Grosso. Fomos plasmados neste mundo com o selo de qualidade, chancelado pelo próprio Deus. Este mesmo Deus que o profeta Jeremias assim o definia: “Ah Senhor Deus! Eis que tu fizeste os céus e a terra com o teu grande poder, e com o teu braço estendido; nada há que te seja demasiado difícil;” (Jer 32,17)

Converter para celebrar, eis o nosso propósito diante de mais um nascimento d’Ele. Também não dá para celebrar o Natal com indiferença, como se nada de mal estivesse acontecendo, como avestruzes que enfiam a cabeça na areia. O cristão é antes de tudo aquele que está conectado à realidade que o cerca. Uma fé que se fundamenta na concretude de gestos de libertação de todas as formas de opressão dos pequenos. Celebrar construindo cada dia a nova sociedade que Deus quer que aconteça entre nós. Uma sociedade que seja o espelho do Reino com as ações de libertação e justiça. Em sintonia e sempre pedindo a Deus para que sejamos fieis no compromisso de construção desta nova realidade, como na canção de Mercedes Sosa e Beth Carvalho “Eu só peço a Deus Que a dor não me seja indiferente. Que a morte não me encontre um dia. Solitário sem ter feito o q’eu queria”.

O evangelho que nos é proposto pela liturgia de hoje nos ajuda a pensar esta nova realidade a partir da perspectiva trazida pelo profeta João Batista. Ele que, segundo o proprio Jesus, era o cara: “entre os nascidos de mulher, ninguém é maior do que João. (Lc 7, 28). Um dos personagens bíblicos mais interessantes, que vem fechando as portas do Antigo Testamento e abrindo as perspectivas de uma nova realidade. Um ser privilegiado, pois viu e conviveu com Aquele que anunciara como a encarnação do Verbo entre nós. Sua vida austera de radicalidade, na vivência da proposta de Deus, viu e testemunhou o acontecimento da nova aurora de vida para a humanidade.

Sem dúvida, um grande homem de Deus! Parece contraditório, mas também sobre ele, Jesus vai afirmar: “o menor no Reino de Deus é maior do que ele”. Como entender isto? Eis o grande mistério. Dentre todos os profetas da antiga aliança, de todos os nascidos de mulher, João foi o maior deles. Entretanto, o menor no Reino de Deus, é maior que João, porque nascem da Graça divina de Deus, possibilitada pela chegada de seu Filho entre nós. Se alguém de nós é nascido de Deus é como Cristo. Se o Reino já está entre nós, vivê-lo em toda a sua profundidade é ressuscitar com Ele para a nova vida, quando enfim, “Deus será tudo em todos”. (1 Cor 15,28) E não façamos como as autoridades do tempo de Jesus e de hoje, convencidas de que não precisam mudar de vida (conversão), serão postas fora do plano de Deus. “Os fariseus e os mestres da Lei, rejeitando o batismo de João, tornaram inútil para si mesmos o projeto de Deus” (Lc 7,30).


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.