Essa Comadre de Nazaré

1º de janeiro da Oitava do Natal. Dia Mundial da paz! Para os cristãos católicos, esta celebração acontece desde 1967, quando o então Papa Paulo VI, propôs a criação do Dia Mundial da Paz, a ser festejado no dia primeiro de janeiro. Não de qualquer paz, mas a paz que brota da justiça, como nos alerta um dos escritos da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB): “Não se garante uma vida mais segura pelo simples aumento do número de policiais, de armas ou de detenções. A segurança é fruto da paz e ‘a paz é fruto da justiça’, segundo ensinava o profeta Isaías, sete séculos antes de Cristo (Is 32,17)”

No dia de hoje também a Igreja nos propõe a Solenidade de Maria como a Mãe de Deus. Mãe de Deus e nossa. Uma camponesa simples de Nazaré, alçada a condição de Mãe de Deus. Parafraseando nosso bispo Pedro, quanta honra para a “Comadre de Nazaré”! Ou seja, na primeira celebração da Igreja Católica do ano, nos voltamos para aquela de onde tudo começou. Através de um Sim bem dado por esta mulher, Deus abriu as portas de nossa existência e permitiu que experimentássemos a sua presença humana entre nós. Um Deus que é gestado no útero materno de uma mulher, mostrando-nos que Ele é Ela. Deus humano que toma a iniciativa, adentra a nossa história e se faz materno na maternidade de Maria.

Em Maria, Deus se faz conosco! É um de nós! Não se encontra alhures, inacessível nas alturas, como um “Deus acima de todos”, mas Ele é o Deus presente na concretude humana. Humano como os humanos, que se deixa tocar pelo encontro pessoal de nossa adesão ao seu Projeto do Reino, trazido pelo Filho, que se encarnou no nosso humano. Um Deus que entra pela porta da frente de nossa história, como já nos dizia o profeta Isaías: “Eis que a virgem ficará grávida e dará à luz um filho, e o nome dele será Emanuel, Deus Conosco!” (Is 7,14)

Maria foi a mulher que acreditou e se entregou, abandonando-se nas mãos de Deus. Certamente não compreendeu grande parte do Mistério que estava reservado a ela, mas jogou-se no vazio do abismo, tendo a firme certeza de que a mão de Deus ali estava, sendo seu amparo, refúgio e proteção. Como o salmista, jogou-se na escuridão da noite existencial com convicção de que: “Ele é o meu Deus, o meu refúgio, a minha fortaleza, e nele confiarei.” (Sl 91,2) Quantas noites escuras, esta pobre mulher não teve que enfrentar, fazendo a travessia para salvaguardar a Semente do Verbo que trazia em seu ventre de mãe?

Seu nome é Jesus. De origem hebraica que significa Salvador. Como no tempo de Jesus, o aramaico era a língua mais fluente da Palestina do primeiro século, temos o termo “Yehoshua”, ou “Yeshua”, que traduzido poderíamos dizer Jesus Cristo o Messias, tal como é encontrado no Novo Testamento com a grafia “Yeshu ha Notzri”. Uma discussão exegético-teológica, que nos coloca em sintonia com a realidade do Filho de Deus nascido de Maria, que o evangelho de Lucas hoje nos faz refletir: “Quando se completaram os oito dias para a circuncisão do menino, deram-lhe o nome de Jesus, como fora chamado pelo anjo antes de ser concebido”. (Lc 2,21)

Em Maria, Deus entra na história humana se fazendo humano como nós e para nós. Um conosco. Trazemos em nós as insígnias deste Deus. E assim é a Igreja de Jesus, que fez a hermenêutica (interpretação num sentido mais profundo do termo) dos ensinamentos de Jesus, traduzindo-os na caminhada histórica, desde as primeiras comunidades cristãs primitivas. Uma Igreja caminhante no processo histórico, dando continuidade à missão de Jesus, de fazer acontecer no aqui e agora o Reino de Deus. Igreja peregrina na mesma toada da Mãe, pelas estradas da vida, renovando o sim a cada dia, para que Deus possa agir em nós e através de nós, como o foi com Maria a Mãe de Deus e nossa.

Os desafios são muitos e permanentes. Estar em Deus e com Deus, não significa que estaremos isentos de conflitos e possíveis problemas. Nem sempre também saberemos ao certo por quais caminhos trafegar, dada as escuridões de nossas vidas. Entretanto, como Maria, a cada passo dado, vamos desvendando os mistérios do existir em Deus. O texto do evangelho de hoje ressalta que: “Maria, guardava todos esses fatos e meditava sobre eles em seu coração”. (Lc 2,19) Como ela, possamos também nós, decifrarmos os enigmas da caminhada e nos colocarmos como instrumentos de transformação nas mãos de Deus, para que a vida aconteça na sua plenitude. Festa da Mãe de Deus! Que possamos também dizer com São Francisco de Sales: “Maria é ‘Mãe de Deus’ e tudo consegue; é mãe dos seres humanos e tudo concede”. Viva a Mãe de Deus e Nossa!

 

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.