Jesus em Nazaré

Seis de janeiro. Quinta feira depois da Epifania. Festa de Santos Reis. Uma festa muito popular tradicional no Brasil. De caráter religioso cultural, ela ocorre a cada ano no período que vai do dia 24 de dezembro até o dia 6 de janeiro. No dia de hoje, os foliões se dirigem as igrejas de Santos Reis, para fazer assim o encerramento do período que passaram pelas casas. Em minha cidade natal, lá estão eles na “igrejinha” de Santos Reis, cumprindo mais uma etapa deste festejo tão comum entre o povo mineiro de Montes Claros. Esta festa retrata o imaginário cultural de fé presente nas pessoas, sobretudo no meio popular.

Um dia mais que especial para a Igreja Católica. No dia de hoje, a liturgia nos traz um dos textos mais conhecidos e emblemáticos de nossa caminhada de fé. O evangelista Lucas, dá voz à Isaías, colocando na boca de Jesus uma grande profecia de há muito anunciada: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção para anunciar a Boa Nova aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos cativos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos 19e para proclamar um ano da graça do Senhor” (Is 61,1-2). Jesus faz cumprir em si aquilo que fora dito pela boca do profeta, acabando assim o tempo de espera.

Início da vida público de Jesus. Ele está na região da Galileia. Não está no Templo de Jerusalém, centro do poder político, econômico e religioso da época, onde se reunia a elite formada pelos sumos sacerdotes, os doutores da lei e os anciãos do povo. Jesus está na sinagoga, em Nazaré, sua cidade natal. Ele que faz questão de começar o seu Projeto Messiânico no meio da ralé, os empobrecidos e marginalizados, aqueles a quem ninguém dava nada por eles. Tudo para que se cumprisse aquilo que fora dito pelo profeta, filho de Amós, que exerceu o seu profetismo por cerca de 40 anos (de 740 a 701 a.C., aproximadamente), durante o reinado dos reis Uzias, Jotão, Acaz, Ezequias e Manassés do reino de Judá, ao sul

Jesus dando as caras e demonstrando à que veio. Seu cartão de visita mostra inequivocamente, quem são, de fato, os destinatários primeiros de seu Projeto de Vida. (Reino) Deus que vem cumprir a promessa de libertação dos pequenos, que esperavam pela salvação. Ao ler a passagem de Isaías, Jesus apresenta assim o programa de toda a sua atividade, no intuito de realizar a missão libertadora dos pobres e oprimidos. Tal programa encaminha a proposta de construção de outra realidade possível, outro mundo, outra sociedade, onde a partilha, a igualdade e a fraternidade fossem a condição “sine qua non”, ou seja, condição sem a qual o Reino jamais haveria de acontecer no aqui e agora da história humana.

Este é um texto paradigmático. Se no tempo de Isaias, o profeta é enviado para proclamar a Boa Notícia da libertação aos pobres, o mesmo texto serve para situar historicamente Jesus no contexto sócio-político-econômico da Palestina de seu tempo. Em Jesus, Deus se faz classe social, com os empobrecidos e marginalizados, uma vez que eles, não somente ansiavam por esta libertação, mas também porque estão mais abertos à possibilidade da fraternidade e da partilha. Tudo isso sendo realizado sob a perspectiva da justiça nas relações entre as pessoas, como forma de acabar com toda forma de exploração dos grandes sobre os pequenos.

Este foi o texto que escolhi como “plataforma” de minha ordenação presbiteral, há 33 anos. Mal sabia das exigências e consequências que sentiria ao incorporá-lo no meu projeto de vida ministerial. Tanto que este texto sempre me incomodou, provocando um desinstalar constante da minha zona de conforto. Segundo nosso bispo Pedro, um texto profético, que também serviu de motivação inicial para a realização da Conferência Episcopal Latino americana de Medellín, em 1968. Conferência esta sempre muito atual, e que fez desencadear a partir dela, uma leitura do Concilio Vaticano II (1962-1965) à luz da caminhada da Igreja latino-americana e da necessidade desta igreja fazer a “opção pelos pobres”.

Jesus nos instiga a seguir em frente. Um novo horizonte se descortina à nossa frente. Um novo processo histórico nos desafia. Estamos a caminho da construção e reconstrução de um país mais humanizado e para todos. Muitos desafios e perspectivas se colocam à nossa frente. O Brasil se transformou numa terra arrasada. Direitos, historicamente adquiridos, foram jogados na lata de lixo da história. O projeto de sociedade que vivenciamos, não cabem os pequenos dentro dele. Esta é uma oportunidade que temos de situar-nos também dentro deste processo histórico, inspirando-nos no texto proclamado hoje por Jesus, para instaurar o “Kairós” de uma nova realidade projetada para os pequenos, como destinatários primeiros desta Boa Notícia: “Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabastes de ouvir”. (Lc 4,21) Amém! Axé! Awire! Wedi ahode! Aleluia!


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.