Terça feira da segunda semana do tempo comum. Uma manhã radiante de sol. Depois do temporal que caiu no dia de ontem, o sol vem trazendo novos presságios para este novo dia. Um amanhecer espetaculoso, fazendo-nos viajar nas linhas improváveis do romantismo, enchendo o coração de lembranças nostálgicas. Sou um incorrigível neste aspecto, pois me permito dar voltas e mais voltas no meu pensamento, revivendo os momentos bons já vividos. Não sou poeta, mas se o fosse, faria uma roda brincante com as palavras para traduzir este meu estado travesso de espírito.
Por falar em poesia, o universo dela está mais pobre. Nosso grande poeta Thiago de Melo (1926 – 2022) realizou a sua páscoa aos 95 anos, nesta ultima sexta feira (14). O “andarilho das palavras”, como dizia Paulo Freire, está agora “poetisando” em outra dimensão, deixando-nos um legado humanista em defesa na mãe natureza. Impossível a quem gosta de poesia, não se lembrar deste poeta que brincava com as palavras. Numa de suas falas recentes, parece que estava despedindo-se de nós, pobres mortais: “Como quem reparte pão, como quem reparte estrelas, como quem reparte flores, eu reparto meu canto de amor. Com uma estrofe apenas, eu me despeço – para permanecer com vocês”.
Neste mundo sisudo que ora estamos vivendo, vai fazer muita falta, sem dúvida alguma. Infelizmente, as pessoas carrancudas que nos rodeiam, não transitam pelos encantos dos versos e da arte poética. “Poesia é coisa de fresco”, ouvi alguém dizer dia desses. Mal sabem elas que as palavras declinadas num poema, nos faz viajar ao encontro dos deuses do “Olimpo”, que na mitologia grega é o conjunto das divindades, que moravam no Monte Olimpo, região que ficava entre a Macedónia e a Tessália. Como um São Francisco da Amazônia, Thiago conversava com as flores e os pássaros. Nos fez viajar por lugares nunca dantes navegados pela nossa humilde imaginação.
Poesia é um dom que o poeta recebe do Deus que tudo criou. Parece que são escolhidos a dedo, para fazer parte do mágico mundo de conversar com as palavras. Uma responsabilidade muito grande, pois carregam em si, o dom de serem eternos brincantes com a arte de encantar pelas palavras certas, nos lugares certos. Brincou e nos fez brincar com suas poesias. Um crítico social que fez de sua poesia uma luta constante em defesa da floresta e dos povos originários. Sua vida pode ser resumida nesta sua frase: “A cada instante morremos, dessa morte renascemos”. Thiago de Melo, presente!
Poesia como ação transformadora da realidade. Ação cidadã em defesa da vida. A liturgia desta terça feira nos traz presente um Jesus transgressor. Transgredir era com Ele mesmo, sobretudo quando as leis eram utilizadas como mecanismo de sustentação de um “status quo”, uma expressão em latim para designar o estado atual das coisas como elas estão. Ou seja, manter a estrutura de dominação e exploração sem mudá-la, assegurando privilégios e interesses de uma determinada classe social. Romper o status quo e quebrar o paradigma talvez tenha sido a inspiração maior que levou o nosso trovado Zé Vicente a escrever esta bela canção “Meu canto, minha arma”.
Jesus, o subversivo de Nazaré, diante da manipulação e intransigência das autoridades judaicas diz claramente para elas: “O sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado”. (Mc 2, 27) E olha que o Shabat para eles era mais do que sagrado. Jesus se revolta contra a forma como os “homens do poder” interpretavam a lei, sem levar em consideração o bem estar das pessoas. O centro da vivência cristã é a pessoa humana, com os seus valores e a sua dignidade de vida. Desta forma, é necessário que se dê um sentido totalmente novo para todas as estruturas e leis que regem as relações entre as pessoas e a sua humanidade. No entendimento de Jesus, a lei que oprime as pessoas é contrária a própria vontade de Deus e, por isso, deve ser abolida.
Seguir a Jesus é ser subversivo como ele e transgredir aquilo que não vem em favor da vida, sobretudo dos mais pobres. Este é também o desafio que somos chamados a enfrentar na realidade a cada dia. Há leis que são escritas e que não tem ressonância alguma sobre a vida das pessoas. Nossa Constituição Federal de 1988, que neste ano completa 34 anos, tem no seu artigo 7º uma letra “morta”: “Todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito a igual proteção da lei”. Quem é que não sabe que nestas “Terras Brasilis”, uns são mais iguais que outros? Que saibamos revestir-nos da mesma coragem revolucionária de Jesus e com Ele poder repetir: “o Filho do Homem é senhor também do sábado”. (Mc 2,28) Seguindo nesta mesma lógica de Jesus, quando permitimos a aplicação de leis injustas, nos comprometemos, pois seria o mesmo que cometer ilegalidades disfarçadas de justiça.
Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.