A autocomunicação de Deus: fundamento da teologia cristã

Na preparação para a celebração do dia mundial das comunicações no próximo dia 24 de maio, vamos refletir, hoje, sobre a autocomunicação de Deus como fundamento para uma teologia da comunicação cristã.

Mas o que significa autocomunicação de Deus? O teólogo Karl Rahner no Curso Fundamental da Fé diz o seguinte: sobre este conceito não se entenda como se Deus, em uma revelação falasse algo sobre si mesmo, mas sim “o termo autocomunicação visa propriamente significar que Deus se torna Ele mesmo em sua realidade mais própria como que um constitutivo interno do homem” (K. RAHNER. Curso fundamental da fé, p.145). Este sentido, porém, está na perspectiva da graça santificante e da visão beatífica, pois Rahner sintetiza o cristianismo como a religião na qual o Deus-Mistério se autocomunica ao homem histórica e existencialmente. Em princípio, podemos afirmar, então, este significado para a autocomunicação de Deus. Pode-se dizer, portanto, que a realidade comunicada é realmente Deus em seu próprio ser, e desta forma é comunicação que tem em mira conhecer e possuir a Deus na visão imediata e no amor. Esta autocomunicação significa precisamente aquela objetividade do dom e da comunicação que é o ponto alto da subjetividade da parte do que comunica e do que recebe a comunicação.

A autocomunicação de Deus, significa, assim, que Deus pode comunicar sua realidade a uma outra não-divina, sem perder a sua dimensão transcendental de Mistério Absoluto, e sem que o homem também deixe o seu aspecto de ente finito e distinto de Deus, que é. Com isto, deve-se compreender também que esta autocomunicação é um ato da mais alta liberdade de Deus: “ato d’Ele abrir-se em sua intimidade última e em amor absoluto e livre” (K. RAHNER. Curso fundamental da fé, p.153). Por isso, aqui está todo o sentido da graça santificante, que é posta pela mensagem cristã: a absoluta gratuidade da autocomunicação de Deus.

Podemos expressar e caracterizar esta autocomunicação de Deus, a partir de seis teses fundamentais apresentadas pelo cardeal Carlo Martini no seu livro O Evangelho da Comunicação:

  1. A comunicação divina é preparada no silêncio e no segredo de Deus. Como nos diz Rm 16,25 é “revelação de mistério envolvido em silêncio desde a eternidade”.
  2. A comunicação divina é progressiva, acumulativa e histórica. Compreendemos a autocomunicação, histórica e existencialmente, a partir de várias etapas, através de diversos fatos e acontecimentos que devem ser lidos e interpretados no conjunto. Este conjunto se chama “História da Salvação” e está descrita na Sagrada Escritura. “A Bíblia é, pois, o livro da autocomunicação de Deus, sendo sumamente precioso para que daí possam ser tirados e compreendidos os diversos momentos e as características da revelação”.
  3. A autocomunicação divina na história se atualiza de modo dialético de manifestação e de escondimento. É sucessão de eventos luminosos e também enigmáticos, pois se Deus se comunicasse apenas como luz, aniquilar-nos-ia. Deus se revela na penumbra para aqueles que livremente aceitam os primeiros vestígios da sua presença, dispondo-se a acolhê-lo. Por isso, a comunicação entre as pessoas deve ser gradual, respeitando o outro, porque o excesso de comunicação também aniquila as outras pessoas. Sendo assim, o modelo é o de Jesus de Nazaré, que fala em parábolas, uma prática fundamental para a comunicação: gradual, prudente e inculturada.
  4. A autocomunicação divina não encontra sua plenitude sobre a terra (ainda que encontre seu momento culminante no mistério pascal). Este é o valor escatológico desta comunicação, que nos faz verificar que uma é a comunicação no caminho, e outra é a comunicação na pátria. Pois somente na vida eterna conheceremos como somos conhecidos (1Cor 13,12) e “veremos a Deus como Ele é” (1Jo 3,2). A comunicação divina, então, é entendida como antecipação daquilo que nos será dado, é promessa daquilo que virá.
  5. A autocomunicação divina é pessoal, e ao mesmo tempo, interpessoal. Deus não comunica a alguém diferente de si, mas a si mesmo, com indescritível amor, e tudo o que comunica fora de si mesmo é apenas sinal da sua vontade de comunicar-Se a Si mesmo como dom supremo. Simultaneamente, esta comunicação é dialogal, dirige-se à pessoa humana, a fim de que se ponha em estado de atenção, de acolhimento, de audição. O Deus vivo interpela a pessoa, suscitando fé e esperança.
  6. A comunicação divina é informativa, interpelativa e autocomunicativa. Assume, assim, todos os modos da comunicação interpessoal. Comunicando informa sobre conteúdos que retornam à verdade pessoal do Deus vivo. Interpela constantemente as pessoas, chamando-as, prometendo, exortando-as, entre outras ações, que dizem respeito ao chamado constante de Deus. E, por fim, é autocomunicativa, porque o que Deus quer comunicar no final de tudo é a Sua Pessoa.

Imagem: Padre Adilson