O Espírito Santo, a Igreja e a Comunicação

Nas proximidades do Dia Mundial das Comunicações, comemorado na liturgia da Ascensão do Senhor, e dentro da novena preparatória para a festa do Espírito Santo – Pentecostes, procuramos discorrer sobre este tema: o Espírito Santo, a Igreja e a comunicação.

Ao lado da revelação do Filho de Deus, há outra revelação no Novo Testamento: a do Espírito Santo. Uma é inseparável da outra. São as duas mãos do Pai que nos tocam e pelas quais podemos percebê-lo, a Ele e a sua paternidade que nos cria e nos ama infinitamente. Essas duas mãos, como nos diz Santo Irineu de Lião, são o Filho e o Espírito Santo. É preciso refletir, então, percorrendo os textos do Novo Testamento, sobre a revelação do Espírito Santo, que ao lado da revelação do Filho complementa e enriquece a revelação de Deus-Pai, fazendo com que, progressivamente, o Deus da fé vá sendo proclamado pela comunidade como Uno e Trino.

Como entender o Espírito Santo, a partir de uma pneumatologia integral e libertadora, que comunica vida e esperança, através da história. Para iniciarmos esta reflexão, na linha do nosso pensamento, valeremos de uma breve síntese de um dos capítulos da obra O Espírito de Vida de Jürgen Moltmann, em que nos fala sobre A Experiência Histórica do Espírito, relatando primeiramente, a experiência do Espírito de Deus que caracterizou Israel, a partir da palavra hebraica ruah. Já num segundo momento, ele nos apresenta as mediações do Espírito, entre Deus e seu povo, acrescentando a experiência do Espírito “no coração” de cada um e a experiência universal do Espírito de Deus na criação inteira. Por último, está a apresentação de uma comparação entre a experiência de Deus e a experiência da shekiná (J. MOLTMANN. O Espírito de vida,  pp.48-59.)

A palavra ruah (Espírito) é a força vital de Deus. Algo que não possui corpo, vento impetuoso, sopro da voz de Deus, vida (anima), dynamis. É um conceito integral, que rompe com o dualismo grego (alma e corpo). Três ideias principais para melhor compreendermos a ruah de Deus: 1) Acontecer da presença atuante de Deus, 2) Deus está em todas as coisas e todas as coisas estão em Deus pela ruah (transcendência na imanência) e 3) Acontecer da presença pessoal de Deus. Na segunda parte, aparece a presença do Espírito de Deus em seu povo (Reis, Juízes, Patriarcas, Profetas, entre outros). A ruah Yahweh passa a ser agora um dom permanente para os ungidos de Deus, pois a eles são dados de maneira permanente, as qualidades necessárias para governar. Nos profetas, esta manifestação do Espírito de Deus se dá através de visões, inspirações, entre outras formas e nos Salmos, através da experiência interior e individual do Espírito. Retirar o Espírito de Deus equivale a Deus ocultar sua face, o que leva à morte do homem. O Espírito é Sabedoria (Jó, 1,7). Por fim, vêm a ideia de que a presença do Espírito de Deus entre os homens é entendida como schekiná, ou seja, Deus mesmo (Dom), que é também doador do dom, “arma sua tenda” e vem morar no meio do povo, compadecendo do seu sofrimento, tornando-se assim, uma presença kenótica no mundo. Assim, podemos dizer, que o Espírito é a presença (empatia) de Deus em pessoa, sensibilidade do Espírito para Deus e a ideia da Schekiná aponta para a “Kenose” do Espírito.

Nesta experiência histórica do Espírito, alguns pontos também nos ajudarão a entender a dimensão mística, afetiva e comunicativa da missão do Espírito Santo, sobretudo no Quarto Evangelho e na literatura joanina como tal. A terceira pessoa da Trindade é aí encontrada como o Paráclito, isto é, o assistente, protetor, defensor, advogado, consolador e amigo. Ele habita nas pessoas, permanece com elas e as ilumina na inteligência para esclarecer toda a verdade trazida por Jesus e fortalecer diante de todas as dificuldades do caminho de seguimento do Cristo. “É dom do Pai, enviado pelo Filho, para agraciar os discípulos com a paz, a vida, a verdade, a comunhão. Por isso ele só pode ser conhecido na fé. O mundo, que não conheceu o Filho, também não conhece o Espírito” (Maria Clara L. BINGEMER & Vitor Galdino FELLER. Deus Trindade: A vida no coração do mundo, p. 104).

O Espírito Santo é a alma da Igreja. Pois Ele inspira a missão da Igreja quando ela anuncia a Palavra. Como nos diz Santo Irineu: “Onde está a Igreja, aí também está o Espírito de Deus; e onde está o Espírito de Deus, aí também está a Igreja e toda a graça”. E mais, a Igreja é una em virtude do Espírito, segundo a conhecida definição de São Cypriano de Cartago, ela é “um povo reunido pela unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. Por isso, o Espírito é princípio de comunhão porque o Ágape (Amor), por sua natureza une: “o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5,5).

Como nos diz o texto dos Atos dos Apóstolos “todos ficaram repletos do Espírito Santo, e começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito lhes concedia que falassem” (At 2,4) e em outro momento “’Todos, então, ficaram cheios do Espírito Santo e, com coragem, anunciavam a Palavra de Deus” (At 4,31). A partir destes textos, percebe-se que “a missão de Cristo continua, com a força do Espírito, na Igreja, corpo de Cristo, pela missão dos apóstolos e daqueles que o seguiram”.

Podemos afirmar, portanto, que a Igreja se difunde evangelizando no Espírito, pois é Ele quem historiciza a Palavra de Deus em suas diversas fases: inspira a Escritura, fala pelos profetas, realiza a humanização do Verbo entregue em sua plenitude em Cristo, preenche a Igreja, Corpo de Cristo. Hoje também a Palavra de Deus é dada aos homens e mulheres pela Igreja por meio de toda a sua obra, especialmente com a evangelização, em obediência ao mandato missionário do Senhor (Mt 28,19). Somente assim, a Igreja ‘una, santa, católica e apostólica’ se difunde entre os povos, tendo sempre como protagonista o Espírito do Senhor, de tal modo que se possa aplicar aos cristãos e cristãs de qualquer época as palavras da Carta de Pedro: “Agora, porém, os pregadores do Evangelho as manifestaram, guiados pelo Espírito Santo enviado do céu” (1Pd 1,12).

A ação do Espírito Santo “faz” a Igreja, está sempre presente nela e a torna missionária, comunicadora da boa-notícia da salvação. É Ele que traça os rumos da evangelização, suscitando os dons e carismas para que anunciemos aquilo que vimos e ouvimos na experiência do encontro com Jesus Cristo. Sendo assim, Ele nos habilita a comunicar Cristo para toda a humanidade. Assim, afirmamos que “presidindo a Igreja, o Espírito a faz passar além da sua contigência e vulnerabilidade, e ser sempre mais imagem da comunidade trinitária que é Pai, Filho e Espírito Santo”. Pois nesta comunidade da Trindade está a origem do dom da linguagem do amor, que aparece em Pentecostes firmando a nova aliança de Deus com a humanidade. Esta linguagem de comunicação se entende e compreende, a partir da doação de Jesus Cristo por nós, através do mistério pascal. No discurso sobre a Trindade, está todo o sentido e destino da comunicação e da comunhão. Pois tudo provém do Pai, tudo é realizado e atualizado pelo Filho, e tudo chega até o ser humano e se faz presença e experiência pelo Espírito Santo.