O retiro de Jesus

Quinta feira da segunda semana do tempo comum. O dia é 20 de janeiro, mas somos inevitavelmente convidados a olhar para o dia de ontem. Um dia pra lá de significativo, pois ele nos traz três personalidades distintas excepcionais. A primeira delas é a cantora, compositora e instrumentista capixaba Nara Lofego Leão (1942-1989) Nara estaria completando 80 anos no dia de ontem. A segunda é a cantora/interprete gaucha, Elis Regina Carvalho Costa (1945-1982), A primeira, lembramos do aniversário de sua páscoa; a segunda, aniversário de nascimento. Ambas de fundamental importância para a história da Música Popular Brasileira. Quanto talento, musicalidade e rebeldia contra aos opressores do povo!

O terceiro personagem, também uma pessoa muito especial, com quem tive a oportunidade e privilégio de conviver de muito perto, com quem muito aprendi. Trata-se de Dom Angélico Sândalo Bernardino. No dia de ontem, Dom Angélico comemorou os seus 89 anos de muita vitalidade. Um profeta dos nossos tempos, com um histórico de Igreja profundamente identificada com a caminhada dos mais pobres, sobretudo da classe trabalhadora. Um homem de Deus que transborda em humanidade e generosidade.

Conheci e trabalhei com Angélico nos meus primeiros anos de padre. Recém ordenado, cheguei para trabalhar na Região de São Miguel Paulista (Cohab Tiradentes), nos confins da Zona Leste de São Paulo. Assim que me viu diante de si, disse a queima roupa: “gosto de você e do seu jeito de ser padre” Ele, com o seu jeito de ser bispo do povo, me cativou, fazendo-me trilhar o caminho do sacerdócio, tendo uma referência maiúscula de bispo construindo a Igreja da caminhada com Jesus. Um homem da Palavra! Eu vidrava com cada uma das suas homilias, sempre muito verdadeiro e direto, sem economizar nas palavras, seja para anunciar a Boa Nova do Reino, ou denunciar as falcatruas do anti-Reino. Feliz vida feliz!

Já para o dia de hoje, trazemos presente este grande santo da História da Igreja. Celebramos neste dia 20, a Festa de São Sebastião (256 d.C.-286 d.C). Santo de origem francesa que faleceu em Roma. Mais um dos mártires da Igreja Católica, já que fora barbaramente assassinado, por ser um árduo defensor da verdade no seu testemunho apaixonado por Deus. Um grande santo do devocionário popular, inclusive também para a comunidade afro-descendente. Para as comunidades da Umbanda, do Candomblé e da Quimbanda, São Sebastião é o correspondente do Orixá Oxossi – Rei das Florestas, do Verde e Orixá da fortuna, que compõem a linhagem dos caboclos e caboclas da mata e das florestas. Viva São Sebastião e viva também a tolerância salutar religiosa!

Liturgicamente continuamos a leitura do evangelho da comunidade de Marcos (Mc 3,7-12). Um evangelista singular, que tem um propósito claro e objetivo de dizer para os seus leitores quem foi Jesus. Não com uma narrativa teórica e abstrata, mas contando os feitos reais do Nazareno na sua vida pública do dia a dia: anunciando, ensinando, cuidando e curando os empobrecidos, levando-os ao esperançamento do Reino. Marcos está presente entre os três evangelhos sinóticos, que são os três primeiros relatos da vida pública de Jesus (Mateus, Marcos e Lucas), que abrem o Novo Testamento. Diferentemente de João, que possui uma narrativa bastante diferenciada, os sinóticos apresentam uma “mesma visão”, com muitos elementos em comum.

O texto de hoje inicia dizendo que Jesus se retirou com os seus discípulos. Entretanto, mesmo assim, muitos o acompanham atraídos pela sua forma de acolher as pessoas e cuidar delas com carinho e amabilidade. Certamente havia por parte de Jesus uma grande preocupação de não transformar a sua missão messiânica em mero triunfalismo assistencialista, que atendesse apenas as necessidades imediatas, sem tocar nas estruturas corrompidas pelo poder opressor das autoridades religiosas de seu tempo. Cuidar era preciso e necessário, mas também era imprescindível combater e destruir as estruturas injustas que comprometiam a vida digna das pessoas.

Retirada estratégica de Jesus para bem compreender com os seus a melhor forma de enfrentar a problemática daquele contexto histórico. Como seguidores e seguidoras desse Jesus, também precisamos “retirar” para melhor avaliar a nossa conduta de fé engajada, frente aos desafios que nos são postos no dia a dia. Fazer parte do discipulado d’Ele significa não fazer do projeto libertador de Jesus de Nazaré, um assistencialismo paternalista alienado, que não questiona as estruturas malévolas que seguem promovendo as desigualdades em nossa sociedade. Somos pela utopia do Reino na construção de uma nova realidade, onde não haja a opressão de uns sobre os outros afinal, como diria o monge tibetano Dalai Lama: “A opressão nunca conseguiu suprimir nas pessoas o desejo de viver em liberdade”. Que Oxossi nos fortaleça nesta caminhada, agora e sempre!


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.