Sexta feira da segunda semana do tempo comum. O dia 21 de janeiro nos traz a lembrança de uma data fundamental para a boa convivência humana. Celebramos hoje, o Dia Nacional de Combate a Intolerância Religiosa. Se o outro tem ou não uma religião, não importa! A sua religião é diferente da minha, é possível! O seu jeito de conceber o sagrado está ligado às Religiões de Matriz Africana, perfeito! O seu modo de vivenciar a fé advém dos valores dos saberes ancestrais, que maravilha! O que importa mesmo é o respeito que devemos ter em relação as mais variadas formas de cada um se relacionar com o sagrado.
A palavra tolerância nos vem do latim, através da terminologia “tolerare” ou “tolerantia”, que tem o significado de acolher o outro na sua adversidade. Tal palavra é usada como um termo para definir o grau de aceitação, diante de uma realidade contrária a uma regra geral de comportamento, modo de ser e pensar, religiosa ou culturalmente das pessoas, na sua forma de viver em sociedade. A palavra muda completamente o seu sentido originário, quando a ela é incorporado o prefixo “in” cujo significado é privação, negação, não aceitação dos valores contrários. Como dizia o pernambucano Hideraldo Montenegro: “Intolerância é desejar que as pessoas mudem para pensar iguais a nós.”
O dia de ontem (20) mal tinha terminado e fomos surpreendidos com a morte de uma das maiores cantoras e compositoras de nosso universo musical. Elza Soares, veio a óbito na tarde de ontem, aos 91 anos, em sua casa, no Rio de Janeiro, por causas naturais. Calou-se a “voz do milênio”, como foi reconhecidamente aclamada. De talento raro e excepcional, transitou com maestria entre o samba, hip hop, funk nos seus 34 discos gravados. A voz da resistência negra, em meio a uma sociedade escravocrata e de um racismo estrutural institucionalizado. Morreu cantando a força da mulher negra, como ela mesma decifrou em uma de suas composições (A Carne): “A carne mais barata do mercado é a carne negra”.
Quanta tristeza para a música Popular Brasileira! Elza representa o fim de um ciclo de resistência, contra todas as formas de intolerância. Mulher que viveu em sua totalidade o empoderamento feminino negro, de plena sororidade através da sua musicalidade e posicionamento político firme e decidido pelas causas das mulheres. Sororidade em pessoa! Lembrando que a palavra sororidade tem a ver com o sentimento de irmandade, empatia, solidariedade e companheirismo para com todas as mulheres de maneira geral. É por intermédio desta sororidade presente em Elza, que as mulheres firmam uma aliança, que lhes permite buscar os direitos femininos e lutarem contra a opressão e todas as formas de violência contra a mulher, numa terra em que o feminicídio é a lei maior dos machistas patriarcais de plantão.
Entrando pelo campo litúrgico deste dia, damos continuidade mais uma vez a leitura do Evangelho de Marcos (Mc 3,13-19). Nele, vemos Jesus que “sobe ao monte” para uma conversa íntima e reservada com um grupo de pessoas, escolhendo os que Ele “quis”, para fazer parte do pequeno grupo de seguidores seus, que seriam os responsáveis iniciais pela continuidade da missão. Jesus que entra na intimidade com Deus para se fazer íntimo com os seus. Assim como Deus, Ele toma a iniciativa de fazer o chamado dos continuadores de sua missão. Missão esta que se resume inicialmente em três aspectos básicos: comprometer-se com Jesus, ou seja, ser e estar com Ele para o anúncio profético do Reino; servir e anunciar a Boa Nova, promovendo a liberdade das pessoas, de tudo aquilo que as escraviza e aliena, expulsando todos os tipos de demônios.
Chamado que se faz presente na história da humanidade depois da encarnação do Verbo em nossa realidade. A iniciativa parte do próprio Deus que continua chamando os que Ele quer, para fazer parte do discipulado de seu Filho Jesus. É desta forma que devemos nos sentir com este chamado que nos é direcionado, no contexto de nossas vidas. Deus não nos chama porque merecemos, ou porque somos bons e perfeitos no nosso modo de ser e viver. Ele nos chama nas nossas imperfeições e quer ouvir a nossa resposta. Um chamado feito a cada dia. A cada dia, somos desafiados a dar a nossa resposta. Uma resposta feita na amorosidade das nossas ações, no intuito da edificação do Reino de Deus presente entre nós. Mais do que funcionários do sagrado ou da instituição Igreja, devemos ser os servidores das causas dos pequenos, combatendo todas as estruturas injustas que insistem em continuar existindo entre nós. Quem ama cuida e sabe se cuidar! Não existe amor fora da reciprocidade! Pense nisso!
Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.