A amorosidade de um Pai

Sábado da Segunda Semana da Quaresma. Quaresma como um tempo especial de preparação das nossas vidas para celebrar a Páscoa. A Quaresma como tempo litúrgico data do século IV d.C. como conhecemos o período de jejum, oração e penitência em preparação para a celebração da principal festa cristã. Ali ficou estabelecida a data da Páscoa do Ressuscitado, que acontece no domingo. Tradicionalmente falamos de um período de quarenta dias, que se transformam em quarenta e quatro, uma vez que a partir da Quinta Feira Santa, iniciamos a Semana Santa, culminando na Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus, o Cristo. Páscoa é a renovação da vida e com ela a esperança de um mundo melhor.

Apesar de ser o tempo quaresmal, temos motivos de sobra para nos alegrarmos neste sábado. A liturgia deste dia nos reservou uma das passagens mais emblemáticas de todo o Novo Testamento. Talvez uma das páginas mais conhecidas de todos nós: a “Parábola do Pai Amoroso” que, erroneamente alguns preferem traduzir por “Parábola do Filho Pródigo”. Nela está expressa a face de um Deus pleno de amorosidade para com os seus filhos. Alguns exegetas vêem nesta parábola a síntese de toda a missão de Jesus no meio de nós, revelando-nos o rosto maternal de Deus que é só amor. Mais do que aquele que julga e condena, Ele acolhe, cuida e perdoa com um coração movido pelo amor gratuito e incondicional.

Deus é amor! Sua essência é vida plena de amorosidade para com os filhos seus. Ama a todo tempo, incondicionalmente. Um Deus que não se alegra com a morte do pecador. (Ez 33,11). Ele nos motiva a todo instante a nos deixarmos sermos preenchidos por este mesmo amor em nossas relações, pois como diz o apóstolo São João, “Quem não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor”. (1 Jo 4,8) Assim, o centro de toda a nossa vida é a prática do amor, pois é desta mesma relação de amorosidade que vemos Pai e Filho adentrando a nossa história e, de quebra, nos trazendo o Espírito Santo.

Jesus é conhecido de todos nós pela sua entrega de si mesmo, numa atitude de amor extremo e até o fim, com todas as consequências daí decorrentes: “Ele, que tinha amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim”. (Jo 13,1). Neste seu gesto de dar-se todo e por inteiro, Ele nos revela quem é o Pai. Com sua vida de entrega total, Jesus testemunha o amor supremo que mostra o sentido da vida. Somente quem ama ao extremo é capaz de entender esta lógica de Deus de deixar que o amor seja a porta de entrada da vida que é doada pelas mesmas causas de Jesus. O Deus que muito ama, quer que sejamos amor na infinitude da vida. São Francisco de Assis entendeu esta lógica quando diz: “Onde houver ódio, que eu semeie amor”.

Nem todos assim entendem esta lógica do amor que há em Deus e que Jesus fez chegar até nós. Neste sábado, por exemplo, o texto do Evangelho traz para nós o início do capítulo 15 de Lucas (Lc 15,1-3.11-32), quando Jesus está mais uma vez sendo criticado pelos fariseus e mestres da Lei. Tudo porque Ele está no meio dos pagãos, publicanos e pecadores, se misturando com eles. Fazendo inclusive refeição com eles, que era um escândalo para as autoridades político-religiosas de Jerusalém. Segundo estas autoridades, se Jesus fosse, de fato, o Messias enviado, ele estaria no grande Templo e não no meio daquela gentalha. Certamente estas lideranças que eram exímias conhecedoras dos textos do Antigo Testamento pularam a parte em que o profeta Isaías se refere ao Messias: “enviou-me para dar a boa notícia aos pobres, para curar os corações feridos, para proclamar a libertação dos escravos e pôr em liberdade os prisioneiros”. (Is 61,1)

Os fariseus do tempo de Jesus eram terríveis, diabólicos. Nada muito diferente dos fariseus de hoje. Alguns deles estão ainda hoje dentro das nossas igrejas, julgando os pobres com a mesma veemência daqueles: a Igreja não tem que ficar falando de pobre, de fome, de injustiça, de direitos humanos, de desigualdade social. Ela tem que focar apenas nas almas que precisam ser salvas para a vida eterna. Para estes, Jesus continua contando a “Parábola do Pai amoroso”, que busca, antes de tudo, o filho que está perdido e o traz de volta para a vida. Não importa os descaminhos por onde ele andou, mas a necessidade de resgatar a sua vida na amorosidade de quem muito ama. Estar com o coração cheio do mesmo amor do Pai é ter preocupação com a vida, sobretudo com aquela que está sendo ameaçada. Tal situação pode muito bem ser resumida com um dos versos do poema de nosso bispo Pedro: “Onde tu dizes lei, eu digo Deus. Onde tu dizes paz, justiça, amor eu digo Deus. Onde tu dizes Deus eu digo liberdade, justiça, amor”. Amar para servir! Servir para amar! O resto é sentimento vazio farisaico.


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.