A autoridade que não serve

Chegamos ao penúltimo sábado do mês de agosto. A Igreja católica dedica este mês às missões e também as vocações. Missão e vocação estão intrinsecamente ligadas. Diríamos umbilicadas. Muitos de nós associam a vocação apenas ao aspecto religioso. E não é assim. Toda profissão, antes de sê-lo, necessariamente deveria ser uma vocação, uma missão. Se não assim o vermos, corremos o risco de ser meros profissionais que cumprem uma tarefa aleatória, visando apenas aos interesses pessoais, geralmente associado ao ganho financeiro. Conheço alguns, por exemplo, que estão na saúde indígena apenas pelo salário que recebem mensalmente e não demonstram interesse algum pela causa indígena. Às vezes até agem com preconceito e discriminação em relação à estes.

A causa indígena é a causa de todos nós! Está sempre em disputa, como objeto de interesse dos ruralistas, sobretudo nestes próximos dias que hão de vir. Tudo indica que o Projeto de Lei (PL) 490/2007, será pautado na Suprema Corte. Depois de ter sido aprovado no dia 23 de junho, por 41 votos a 20, pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, agora será a vez dos ministros da Suprema Corte (STF). Este famigerado projeto, se aprovado, inviabilizará todas as demarcações das terras indígenas, uma vez que estabelecerá como “Marco temporal”, uma ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng, referente à TI (Terra Indígena) Ibirama-Laklãnõ. De acordo com esta indigna tese, os indígenas que comprovarem estarem habitando seus territórios sagrados até o dia 5 de outubro de 1988, terão as suas terras demarcadas. Se não, não! Como se estes povos só existissem apenas a partir da fatídica data.

Enfim, como sempre faço aos sábados, me juntei a Pedro, para ali rezar em sua companhia sepulcral. Se aqui ainda estivesse, como membro atuante desta Igreja engajada nas causas indígenas, com certeza escreveria um belo e profético texto aos membros daquela Suprema Corte. Ainda bem que uma das suas crias, o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), está atento e se manifestado a contento de Pedro. CIMI que se prepara para também celebrar a festa de seus 50 anos de luta intransigente pelas causas indígenas. Um daqueles órgãos ligados a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que dá orgulho ao nosso profeta. Neste contexto, pedi a Pedro, guardião das causas indígenas (como dizem os Xavante) que, junto ao Pai da “Testemunha Fiel”, intercedesse por nós e pelos povos indígenas.

Nesta minha manhã de oração, lembrei-me da primeira vez que pisei numa terra indígena. Já havia recebido a recomendação do bispo, de que não estaria ali para catequisar os indígenas. Tão somente, para ser um com eles, na defesa de suas causas e, quando muito, para “desevangelizar” e “descolonizar”. Um bispo falando assim para um de seus agentes de pastoral, não era nada muito comum de se ouvir. Mas este não era um bispo, apenas Pedro. E Pedro é Pedro. Diferente, único. Pedro, uma pedra de tropeço na vida dos grandes e poderosos. Com o seu jeito simples e franzino de ser, colocava os latifundiários em polvorosa. Os latifundiários, sempre o viram como um grande empecilho em seu caminho, ávidos de lucro e exploração, ameaçando-o de morte dezenas de vezes. Mesmo assim, Pedro seguia em frente na sua fidelidade às causas dos Povos Indígenas, afirmando categoricamente: “Se me matarem me matarão de pé.” Mediante tamanha fé, lucidez e fidelidade, impossível não apaixonar também pela causa indígena.

Assim como Jesus que preconizava que a autoridade devia ser antes de tudo àqueles e àquelas que servem, Pedro sabia harmonizar a sua autoridade na defesa dos pequenos. De autoridade Pedro conhecia. Não foi à toa que recebeu centenas de títulos honoríficos de Doutor Honoris Causa, por sua luta pelas causas humanitárias. Títulos estes que sequer mexiam com o ego de Pedro, como alguns dos portadores de tais títulos nas academias por aí afora. Sobem nos tais títulos para se sobressaírem aos demais mortais, como os mestres da lei e os fariseus do tempo de Jesus. A respeito destes Jesus vai dizer, “Não imiteis suas ações!” (Mt 23, 3). Uma crítica contumaz feita pelo Mestre aos intelectuais e aos líderes da classe dominante, que transformavam o saber em poder, agindo hipocritamente e oprimindo o povo. Autoridades que não servem enquanto valor e também enquanto poder-serviço às causas do Reino.


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.