A barca da fé

O texto proposto pela liturgia da igreja católica, para as celebrações desse dia 30 de junho, é a narrativa da comunidade de Mateus, em que Jesus está com os discípulos dormindo numa das barcas, em meio a uma grande tempestade. Os discípulos se sentem incomodados, com a atitude de Jesus, porque estão com muito medo, enquanto o mestre deles dorme tranquilamente. Chega a ser hilário a cena, pois no entender dos deles, Jesus dá mostras de não estar nem aí para eles, que estão com medo de morrer e o barco sendo coberto pelas águas agitadas do mar. O texto nos dá a entender que, talvez Jesus tenha agido de forma proposital, numa forma de colocar a fé deles a prova.

“Por que tendes tanto medo, homens fracos na fé?” Esta foi a reação primeira de Jesus, ao ser acordado por eles. Por mais que ELE estivesse ali, presente fisicamente com eles, mesmo assim, os discípulos titubearam, demonstrando que não confiavam plenamente NELE. Esta é a realidade humana. Nós também somos assim. Nós também agimos assim. Acreditamos, mas quando somos colocados à prova, a desconfiança vem e nos sentimos fracos na fé. Não acreditamos NELE e nem em nós mesmos. Fracassamos na hora de demonstrarmos a nossa fé. Somos também, fracos na fé.

A história do povo de Deus, ao longo dos tempos, é recheada de momentos como estes. Tendo Deus como o parceiro e com presença garantida na caminhada, acabamos preferindo outros caminhos e se aliando a outros deuses. Foi assim com Moisés, na travessia do deserto, e é assim também em outros embates pelo mundo afora. Neste atual momento mesmo da nossa história aqui no Brasil, uma parte do povo fez aliança com os deuses da morte, através de uma política necrófila. Somos o país com o maior número de mortes, entre os profissionais de saúde, ao serem contaminados pelo vírus, no seu ambiente de trabalho. Tudo isso patrocinado por um governo genocida, que segue com os seus desmandos. Colocaram um amador para ser o sinistro interino da saúde, “comandando” de forma capenga os trabalhos de enfrentamento desta grande pandemia.

“SENHOR, salva-nos, pois estamos perecendo! Este é o grito de sofrimento e dor dos povos indígenas, frente as inúmeras e constantes mortes que vem acontecendo todos os dias. O povo Xavante já não aguenta mais contabilizar tantas perdas. Mortes estas que poderiam ser evitadas, se houvesse seriedade, planos e estratégias para o enfrentamento desta triste realidade. Mortes que serão colocadas na conta deste desgoverno que passou a tomar conta do Brasil. Corpos de indígenas que serão colocados no colo de um governo anti-indígena, desrespeitoso das causas destes povos.

Só Deus mesmo para nos ajudar. Só Jesus na causa, como a gente costuma dizer. Precisamos contar com as nossas próprias forças e não com a incompetência de um governo de plantão. Não sabemos exatamente aonde tudo isso vai parar. Conheço aldeias inteiras que estão com vários indígenas contaminados pelo vírus. Vírus que, muitas vezes, foi lavado de fora para dentro das aldeias, por soldados do exercito, como foi confirmado em algumas etnias aqui da Amazônia. Vírus que chegou pela ação invasora de garimpeiros infectos. Ou seja, os indígenas isolaram o quanto puderam, se preservando ao máximo, para não serem contaminados e, mesmo assim, o vírus chegou até as aldeias, por intermédio de outros não indígenas.

Não são apenas números nas estatísticas de pessoas que morreram. São bibliotecas vivas que se foram. São histórias de vidas interrompidas. Eram anciãos que viviam em suas aldeias de origem, cultuando seus ancestrais, numa relação simbiótica com a mãe terra. Viviam na simplicidade de quem se vê integrado ao seu meio, sendo um com todos os demais seres que fazem parte da mãe natureza. Ao contrário do que alguns pensam, vidas importam sim! Vidas indígenas importam também! “Quando morre um idoso, é como se incendiasse uma biblioteca.” Retrata muito bem este provérbio de origem incerta. A história dos povos originários, sendo manchada mais uma vez. Tem sido assim desde 1500, quando os europeus invadiram estas terras, com a complacência da Igreja, que carrega em suas mãos o sangue de indígenas e negros.