A casa de Maria

Sábado da Quinta Semana da Quaresma. Neste sábado estamos concluindo o nosso “Retiro Quaresmal”, onde cada um, à sua maneira, tentou desenvolver em si um processo de conversão. Alguns mais atentos quanto à necessidade de mudanças mais profundas, outros nem tanto, seguindo na sua vidinha de conformismo e indiferença. As portas da Semana Santa se abrem para nós com a Celebração do Domingo de Ramos, em que recordamos a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, sendo aclamado pelos empobrecidos da ralé. Esta cena, narrada pelos quatro evangelhos, prefigura o final do ministério público de Jesus.

O mês de abril se abre para nós num sábado em que comemoramos o “Dia da Mentira”. Um dia clássico, muito embora, para alguns dos nossos, este dia tem sido todos os dias. Nunca se investiu e propagou tanta mentira como nos tempos atuais. Algumas pessoas, descaradamente, se especializaram em ser porta vozes dela. Até mesmo um dos setores do judiciário brasileiro, fez da mentira a arte de desenvolver os seus trabalhos no campo da aplicação da lei. Os historiadores do futuro terão dificuldades de interpretar e entender os fatos históricos ocorridos no Brasil com tal ação desvirtuada do judiciário.

O dia é o da mentira, mas os tempos são da “lawfare” para alguns que lidam com a justiça. “Lawfare” que é uma terminologia formada pela junção da palavra “Law” (lei), acrescida do vocábulo “warfare” (guerra), manipulando a lei e instrumentalizando-a para se combater algum oponente, desrespeitando peremptoriamente os procedimentos legais e o direito de determinado individuo ao qual se pretende eliminar. Para alcançar tal objetivo, cunharam uma frase, na tentativa de justificar as suas ações: “não temos provas, mas temos convicção”. Ou seja, “não temos como provar, mas temos convicção”. As convicções valendo mais que as provas. A mentira tendo voz e vez na escola do judiciário.

No “Dia da Mentira” rezei na companhia solitária de alguns poucos pássaros que saíram de seus “aposentos” mais cedo para testemunharmos juntos, o nascer do dia em meu quintal. Um sabiá, melancolicamente entoava o seu hino de louvor, acordando o espírito franciscano em mim. Desde que fui desafiado por uma das lideranças indígenas a ouvir o sussurro da floresta, apurei o ouvido, procurando fazer sintonia com as vozes da floresta adentrando todo meu ser. Aprendi a conversar com ela em forma de oração, enaltecendo a presença viva de Deus em cada um dos seres que nela habitam. Franciscanamente falando, a “Casa Comum” se faz viva dentro de mim em profunda sintonia de interligação.

No tempo de Jesus, a Casa Comum era a casa do pobre. Da Casa de Maria para a casa dos marginalizados, com seus corpos feridos e maltratados. É assim que a liturgia de hoje nos coloca em sintonia com este Jesus. Nem todo judeu era um oponente ferrenho adversário de Jesus. No texto de hoje, o quarto evangelho nos diz que: “muitos dos judeus que tinham ido à casa de Maria e viram o que Jesus fizera, creram nele”. (Jo 11, 45) Creram não porque ouviram a sua homilia no púlpito das imponentes igrejas, nas celebrações dominicais, mas por que viram com os seus próprios olhos aquilo que Jesus havia feito em favor dos pequenos: “Os cegos vêem, os coxos andam; os leprosos são limpos, e os surdos ouvem; os mortos são ressuscitados, e aos pobres é anunciado o evangelho”. (Mt 11,5)

Será que Jesus é verdadeiramente o Messias esperado? Alguns judeus fazem a sua adesão ao seguimento de Jesus. Todavia, não é assim que os fariseus o enxergam. Somente quem está movido pela luz da fé é capaz de compreender o significado da presença de Jesus e perceber os seus atos de libertação. Cresce dia após dia a rejeição de Jesus diante daqueles que não aceitam conviver com a verdade que o Messias veio trazer. Por este motivo, as autoridades se organizam e decidem dar um fim ao projeto messiânico de Jesus: “A partir desse dia, as autoridades judaicas tomaram a decisão de matar Jesus. (Jo 11,53) Tais autoridades deixam de lado a justiça e o amor de Deus e, para esconder as suas artimanhas de roubos e maldades, usam do escudo da falsa religiosidade. Como hoje, os fariseus que eram especialistas em leis se apossam da chave da ciência, isto é, interpretam as leis de acordo com seus próprios interesses; exercem assim controle ideológico sobre o povo, impedindo-o de ver as possibilidades de transformação. Que possamos fazer a nossa adesão à Jesus repetindo com o profeta Ezequiel: “Libertem-se de todas as injustiças cometidas e formem um coração novo e um espírito novo”. (Ez 18,31)


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.