A compaixão que nos falta

Manhã de sábado (06) chuvoso. Choveu quase toda a noite. Fiz a minha oração da manhã, sem a costumeira companhia dos meus ilustres visitantes, que vem em busca de manga, goiaba, acerola e murici. A chuva fina que insistia em cair, os fez ficar quietinhos em algum lugar por aí. Apenas o galo do vizinho, prenunciava o romper da aurora, com o seu canto intercalado de momentos em momentos. Quem gosta de ficar um pouco mais na cama, este é o dia mais do que propício para isto.

Refleti o evangelho da liturgia proposto para o dia de hoje (Mc 6,30-34). Deparei com a cena de Jesus que, “vendo a numerosa multidão, teve compaixão, porque eram como ovelhas sem pastor” (Mc 6, 34) Jesus que é capaz de sentir compaixão por aqueles que mais sofrem e são desprezados pelas lideranças políticas/religiosas de seu tempo. Sentimento de profunda empatia, movido pela ternura, para com aqueles que sofrem, buscando formas de superação de tal situação. Compaixão que significa sentir a dor do outro como sua, colocando-se no lugar dela.

Compaixão que sobrava também no padre Nelito Nonato Dornelas, que faleceu nesta última quarta-feira (03), mais uma vítima da Covid-19. Vendo o depoimento das pessoas que o conhecia e estavam mais próximos de si, percebemos o quão foi a perda imensurável, não somente para a diocese de Governador Valadares, mas para toda a Igreja dos pobres. Um homem profundamente identificado com as causas de Jesus, cujo coração era maior que todo o seu ser. Perda significativa se olharmos para um contexto maior em que os padres mais jovens, não se identificam com tais causas, mais preocupados que estão, em estampar as suas fotos de sorrisos amarelados, emolduradas de clégima nas redes sociais.

Compaixão que talvez falte a um dos padres que, nesta semana, aproveitou das tais redes para pedir desesperadamente o fim “da palhaçada do isolamento social”, para poder celebrar as suas “Santas Missas” normalmente. Não sei se o tal padre tem a compreensão exata de que, em cada Celebração Eucarística, revivemos o sacrifício memorial/martirial da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus de Nazaré. Não apenas como o cumprimento de um mero preceito religioso, mas um convite à vivência da Partilha do Pão, em todas as suas dimensões. Já nos dizia uma das canções que cantamos exaustivamente nas CEBs: “Receber a comunhão / com este povo sofrido / é fazer a aliança com a causa do oprimido.”

O contrário disto é o esvaziamento da celebração mais importante da nossa liturgia. Nesta celebração nos comprometemos a lutar pelas causas daqueles que mais sofrem entre nós. Como aquela família que assisti ontem numa reportagem que tratava do fim do auxilio emergencial. Uma mãe, diante de seus quatro filhos pequenos, um deles ainda amamentando, sem saber o que fazer sem o tal auxílio. “O pequeno ainda mama, mas como dar de comer aos outros três?”, perguntou ela. No que o repórter perguntou o que eles teriam para comer no almoço, um dos pequenos prontamente respondeu: “farinha com açúcar”.

Automaticamente me veio à mente uma das situações que vivi certa feita pelas ruas de São Paulo. Vendo uma mulher em situação de rua, com o seu bebe chorando com fome, me aproximei e perguntei a ela porque não dava de mamar ao pequenino. Ela me disse que não podia. Ao insistir com aquela mãe, ela me mostra um dos seios. Dele escorria sangue. Certamente, sem se alimentar adequadamente, a criança havia mamado até tirar sangue literalmente daquela pobre mãe.

Falta-nos compaixão para ver a dor do outro e senti-la como nossa. Falta-nos a mesma compaixão que teve Jesus diante daqueles pobres que estavam ali a sua volta. Faltam compaixão e empatia às nossas lideranças políticas, que não são capazes de sentir a dor e o sofrimento das pessoas, sem o auxílio emergencial, preocupados que estão em salvar a dita economia. Falta recurso para pagar o auxilio, mas não falta para as negociatas. Não importa a morte dos nossos, conquanto os números da economia sejam salvos.

Ainda bem que somos pessoas de fé. Acreditamos num novo amanhecer. Nosso maior trunfo é saber que não estamos sozinhos nesta empreitada. Aquele que venceu a morte é um vivente no meio de nós. ELE é um de nós conosco. Ninguém nos tirará esta possibilidade. Portanto, devemos lutar com determinação e abraçar a vida com paixão. Podemos até perder uma batalha, mas ninguém nos tirará a ousadia de lutar. A esperança vence o medo. Que possamos fazer das nossas vidas aquilo que está escrito num poema encontrado na parede de um dos quartos de criança no Campo de Concentração de Auschwitz: “Amanhã eu fico triste… hoje não. Hoje eu fico alegre! E todos os dias, por mais amargos que sejam, eu digo: amanhã eu fico triste, hoje não!