A cruz libertadora de Jesus

Meados de fevereiro. Estamos já na quinta-feira (18). Estamos iniciando a quaresma. Tempo propicio para rezar, refletir e nos colocarmos na presença de Deus misericordioso, com espírito penitente. Lembrando que na quaresma, somos desafiados a voltar-nos para nós mesmos e analisar a nossa vivencia cristã, à luz do Evangelho. Numa introspecção, por meio de uma viagem ao nosso interior, ajudando-nos a entender melhor a proposta de Jesus, para segui-lo com fidelidade, fazendo de nossa caminhada um prolongamento das suas ações entre nós.

Somos discípulos e discípulas do Ressuscitado, insistia sempre nosso bispo Pedro. Quando as coisas pioravam e íamos até ele, sempre saia com esta tirada, motivando-nos a não desanimar nunca, afinal a “Testemunha Fiel” era um conosco sempre. Diante desta fala encorajadora de nosso pastor, vinha à minha mente uma das canções que cantávamos nas CEBs: “Nossa alegria é saber que um dia”.

Impossível falar de Jesus e não falar da sua cruz redentora. A cruz como sinal de seu compromisso com as coisas do PAI. Ela entra na sua vida como um caminho a ser percorrido, num gesto de entrega total e de fidelidade para com o Reino, pensado e querido por Deus para os seus filhos e filhas. Pelo menos é assim que Jesus mostra aos seus seguidores no texto do Evangelho proposto para a liturgia de hoje (Lc 9,22-25). “Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome sua cruz cada dia, e siga-me”. (Lc 9, 23) Uma proposta por demais arrojada para aqueles e aquelas que se decidirem pelo seu seguimento.

Como ELE era fiel, deseja também que os seus o sejam. Olhando assim vamos perceber que não basta decidir-se por aceitar Jesus como o Messias enviado por Deus. É necessário algo mais. Não basta também ter fé neste Jesus, mas é preciso ter a mesma fé de Jesus. E por causa desta sua fé e fidelidade ao Projeto do PAI, Jesus vai ser perseguido, vai sofrer, ser rejeitado e morto. Todavia, a sua Ressurreição, será a sua e a nossa vitória. Vitória da vida sobre a morte. A morte não tem a última palavra, mas a vida. E quem quiser acompanhar Jesus na sua trajetória messiânica e participar da sua vitória, terá que percorrer caminho semelhante ao seu: renunciar a si mesmo, às glórias do poder, da riqueza e de uma vida cômoda sem envolver-se com nada.

Jesus foi rejeitado pelos seus. Todo cristão sabe disso. Entretanto, Jesus continua ainda hoje sendo rejeitado por aqueles que não se envolvem com as causas dos pequenos, dos marginalizados. É por esta razão que a cada ano, neste período da quaresma, temos a Campanha da Fraternidade. Ela tem o objetivo de abrir os nossos olhos para as questões sociais que gritam no meio de nós. Assim, viver a quaresma é viver a realidade destes pobres que estão sendo crucificados entre nós. É nos posicionarmos frente a estas questões que sobressaem a olhos nus em nossa sociedade. E, como Jesus, buscar mecanismos de libertação destes pobres.

A vivência da fé exige compromisso constante com as causas do Reino, com as mesmas causas de Jesus. Não dá para ter fé em Jesus e ficar apático, sem se envolver com aqueles e aquelas que sofrem no meio de nós. Neste sentido, nosso profeta Pedro tinha uma frase bastante significativa, que ilustra muito bem este contexto. Dizia ele que, “através da nossa fé militante com Jesus, devemos descer os pobres de suas cruzes impostas por esta sociedade que aí está”.

A rejeição a Jesus hoje passa pela rejeição ao compromisso com estas causas de que fala a Campanha da Fraternidade Ecumênica (CFE) de 2021. Os mercadores da fé que insistem em fazer oposição a esta proposta da CNBB/CONIC, são aquelas mesmas pessoas que se recusam a ter o seu compromisso com a transformação desta sociedade. Eles não caminham pelos mesmos caminhos dos mais pobres. Eles não passam pelas vielas das favelas. A sua cabeça abastada pensa a partir de onde os seus pés estão pisando. Além de não fazerem a opção de caminhar com Jesus pelos becos da vida, ainda alienam os seus ouvintes e seguidores a fazerem o mesmo. Insistem em querer seguir o Jesus “paz e amor”, através de uma fé intimista, descompromissada, e não enxergam o Jesus esfarrapado, violentado, nas esquinas da vida.

Como diz o padre Júlio Lancellotti, “Jesus não foi pregado na cruz por falta de opção, mas porque gerou conflito. Se nesse mundo excludente você não tiver uma dose de rebeldia, é porque se adaptou a esse modelo”. A cruz é a consequência do compromisso de Jesus com os pequenos, afrontando os poderosos. A nossa cruz de cada dia será decorrente das opções que vamos fazendo ao longo da vida no seguimento de Jesus de Nazaré. Ser fiel a Jesus não é fácil. Que sejamos capazes de abraçar as mesmas causas de d’ELE, tendo como inspiração quilo que nos diz o salmo da liturgia de hoje: “Feliz é todo aquele que não anda conforme os conselhos dos perversos; que não entra no caminho dos malvados, nem junto aos zombadores vai sentar-se; mas encontra seu prazer na lei de Deus e a medita, dia e noite, sem cessar.” (Sl 1) Awire! Axé! Wedi! Aleluia!