A cultura de paz

 

Segunda feira da décima primeira semana do tempo comum. Festa de Santo Antonio. Este português  que incorporou em si o espírito franciscano. Um dos santos que faz parte do devocionário popular. Com ele iniciamos as festas juninas que percorrerão todo o mês de junho, com suas danças e comidas típicas. O Nordeste está em festa, com muita alegria e dedicação das comunidades católicas, no levantar dos mastros com cada um dos santos. Recordo-me da minha infância, pois a nossa mãe, muito devota de São João, não deixava nunca de levantar a nossa bandeira. Ali estava ela todos os anos, com a nossa casa em festa.

A semana se inicia, mas os nossos olhos ainda estão voltados para o dia de ontem, com a Festa da Santíssima Trindade. A amorosidade de Deus inunda o nosso coração e nos faz enfrentar a dinâmica da vida de cabeça erguida sem medo de ser felizes. No dia de ontem também nos recordamos de algo muito importante para a nossa vida em sociedade. O dia 12 de junho é o Dia Mundial contra o Trabalho Infantil. Este dia foi instituído pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) no ano de 2002. Naquele ano foi apresentado o primeiro relatório global sobre o trabalho infantil na Conferência Anual do Trabalho.

O Brasil figura entre os países do mundo em que há um grande contingente de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 1,8 milhão de crianças e adolescentes com idades entre 5 e 17 anos estão em situação degradante de trabalho infantil. Estes dados foram contabilizados antes da Pandemia (2019). Todavia, o cenário atual é mais grave ainda, sobretudo, com o aumento do desemprego, da fome e da pobreza em geral. Somado a isto veio a vulnerabilidade social e a evasão escolar, com as crianças e adolescentes entrando para o mundo do trabalho como forma de ajudar suas famílias diante desta crise.

Precisamos entrar na luta para erradicar o trabalho infantil. Não basta ser contra o trabalho infantil. Precisamos usar de todas as nossas forças para dar um basta nesta situação. A criança tem todo o direito de ser criança e viver esta etapa de sua vida sendo apenas uma criança. Numa situação de ampla desigualdade social e vulnerabilidade, o direito a vida está em primeiro plano. Sabemos que não é desta forma que pensam as elites mais abastadas de nossa sociedade, que vivem à custa da exploração dos mais pobres. As pessoas estão morrendo de fome. O mais triste é saber que, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), 35% de tudo o que a humanidade produz é desperdiçado no caminho que vai da lavoura à mesa do consumidor.

Num mundo marcado por desigualdades, onde prolifera a cultura das armas e do ódio, somos chamados a desenvolver a cultura de paz. Promover uma sociedade pacífica e inclusiva para a sustentabilidade de todos. Pelo menos é o que a liturgia desta segunda feira nos propõe, quando Jesus retoma o “Sermão da Montanha” no Evangelho de Mateus: “Ouvistes o que foi dito: Olho por olho e dente por dente!” (Mt 5,38). Jesus está fazendo uma reflexão acerca da chamada “Lei de Talião”: “Contudo, se houver dano grave, então pagará vida por vida, olho por olho, dente por dente, pé por pé, queimadura por queimadura, ferida por ferida, golpe por golpe”. (Êx 21,23-25).

Jesus se contrapõe a esta lógica odiosa da justiça como concepção de vingança. “Eu, porém, vos digo: não resistais ao perverso; mas, a qualquer que te ferir na face direita, volta-lhe também a outra; e, ao que quer demandar contigo e tirar-te a túnica, deixa-lhe também a capa. Se alguém te obrigar a andar uma milha, vai com ele duas”. (Mt 5,38-41). Enfrentar o ódio com a cultura de paz e não com a cultura das armas e da violência. Desarmar o odioso com argumentos fundamentados no amor e na paz. Aquilo que na sua encíclica Fratelli Tutti o Papa Francisco assim define: “A paz está ligada à verdade, à justiça e à misericórdia. Longe do desejo de vingança, é ‘proativa’ e visa formar uma sociedade baseada no serviço aos outros e na busca da reconciliação e do desenvolvimento mútuo. Assim, a paz é uma ‘arte’ que envolve e diz respeito a todos e na qual cada um deve fazer a sua parte numa ‘tarefa sem fim’” (227-232).

Amar é perdoar na busca pela cultura de paz e do bem viver. Perdoar não é esquecer, mas é fazer com que o odioso deixe de ser o que é. Paulo Freire nos dizia que a melhor forma de amar o opressor é fazer com que nunca mais oprima. Devolver ao outro a agressão com a mesma arma que usou é entrar na sua lógica destrutiva. É ser como ele e não é isso que Jesus propõe quando nos depararmos com situações como estas. O Evangelho propõe atitude nova, a fim de eliminar pela raiz a espiral da violência. Assim a resistência ao inimigo não deve ser feita com as mesmas armas usadas por ele, mas através de comportamento que o desarme. O Princípio da não violência que Mahatma Gandhi assim definia: “O primeiro princípio da ação não violenta é a não cooperação com qualquer forma de humilhação”.


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.