A semana está só começando. As incertezas permanecem. O que será do nosso amanhã, não sabemos ao certo. Tudo que sabemos é que a pandemia ainda existe entre nós, por mais que algumas pessoas pensem o contrário. Também o fogo permanece destruindo tudo o que vê pela frente. Desta vez no Parque Nacional do Xingu, atingindo todas as etnias que ali habitam. A nossa esperança estava na possibilidade de chuva que poderia ter caído ontem. Apesar das densas nuvens sobre o céu, ficamos só na vontade. Bem que resolveria bastante se ela tivesse caído.
Hoje resolvi falar de um tema espinhoso para alguns. Falar da fé no contexto político de nossas vidas, já provoca arrepios. Quando falamos de política, algumas pessoas torcem o nariz. Geralmente há uma compreensão estranhamente errada sobre a política. Alguns de nós distorcemos o verdadeiro sentido da palavra “política” Há até aqueles que se dizem apolíticos, numa clara demonstração de uma pretensa neutralidade. De saber que não existe neutralidade. Ou se está de um lado ou do outro. O muro em si é coisa do diabo (diabolus = aquele que divide) Esquecem-se estas pessoas de que quando elas dizem que são apolíticas, já há ai uma postura, um posicionamento político.
Vivemos hoje no Brasil uma profunda crise política sem precedentes em nossa história. Entretanto, quando se associa a política num contexto da vivencia da fé, as pessoas ficam reticentes. Contudo, viver a fé de maneira engajada, é adentrar também no campo da política. Sim porque a fé, neste contexto, é alimentada pela mística do Reino, que se fundamenta numa espiritualidade que une as dimensões da justiça e da libertação. Neste sentido, é preciso alargar os horizontes da nossa fé, na busca da construção do bem comum e na garantia dos direitos dos pobres e marginalizados.
Ser seguidor de Jesus de Nazaré é algo muito exigente que não se esgota numa vivencia apenas intimista da fé. Uma relação eu e Deus, que se dá apenas no plano vertical. Ser cristão é ser partidário do amor. Porém, a fé vivida sem a dimensão política, torna este amor como algo vazio de sentido que não chega a alcançar a dimensão da sua transcendentalidade. Esta dimensão da fé, encarnada na realidade política, eu a aprendi com o nosso bispo Pedro. Seus escritos estão carregados desta fé martirial de uma espiritualidade que vai muito além de uma relação alienada com o nosso Deus. Neste poema, por exemplo, ele diz: “A Terra dos Homens que caminham por ela, pé descalço e pobre. Que nela nascem, dela, para crescer com ela (…) Malditas todas as propriedades privadas que nos privam de viver e de amar! Malditas sejam todas as leis, amanhadas por umas poucas mãos para ampararem cercas e bois e fazer a Terra, escrava e escravos os humanos!” (Pedro Casaldáliga)
A nossa fé nos coloca em sintonia com o próprio Deus e também conosco mesmo. Estar em sintonia com Deus é também estar em sintonia com a humanidade e necessariamente com os conflitos humanos. Impossível vivenciar a fé fora do conflito. Neste sentido, a dimensão social e política da nossa fé, impulsiona-nos a enveredarmos pelo caminho de uma espiritualidade encarnada. Espiritualidade está situada e interpelada no contexto sócio, político e econômico que, transcende o espaço institucional (eclesiástico), inserindo-nos nos desafios suscitados pela dinâmica da vida em sociedade. Esta dimensão pressupõe assumir compromissos de transformação desta realidade. E esta transformação ocorrerá através também da minha atuação política.
O neoliberalismo e a globalização, são as duas faces da mesma moeda que gera a pobreza e a exclusão social. São os pais da pobreza. Diante deste contexto, como cristãos, somos desafiados a dar respostas através de uma fé encarnada e atuante, na busca de mecanismos de superação desta desigualdade, presente em nossa sociedade. Que não sejamos analfabetos políticos como denunciava em seu poema Bertolt Brecht: “O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais.”