A dor da indignação

Quinta feira da 26ª semana do tempo comum. No dia 30 de setembro, celebramos a memória do grande tradutor e exegeta: São Jerônimo (342-420). Jerônimo ficou conhecido como escritor, filósofo, teólogo, historiador e, principalmente, exegeta. Considerado pela Igreja Católica como doutor, sobretudo pela sua enorme contribuição na tradução dos textos bíblicos. Tinha profundo conhecimento dos textos bíblicos, tornando-se um exegeta renomado. É de sua autoria uma das frases bastante significativas que assim diz: “Quando rezamos, falamos com Deus. Quando lemos a Sagrada Escritura, Deus fala conosco”.

Meu quintal amanheceu em festa nesta manhã. Já nas primeiras horas do dia, estava invadido pelos “fregueses” de sempre. Bastaram as primeiras chuvas, para que a natureza rejuvenescesse. Goiabas, acerolas, jabuticaba, manga, jaca… fizeram parte do café da manhã de meus nobres convidados. Uma Torre de Babel, ecumenicamente se transformou o espaço, com cada qual saboreando aquilo que mais lhe aprazia. Tudo isso acontecendo e eu louvando e agradecido ao Criador, pelo dom da vida, minha e deles, enaltecendo também os frutos sagrados da mãe terra. Diante deste contexto, fiquei me lembrando daquele provérbio hindu: “A árvore não prova a doçura dos próprios frutos; o rio não bebe suas próprias ondas; as nuvens não despejam água sobre si mesmas. A força dos bons deve ser usada para benefício de todos”.

A razão de ser e estar no mundo não está relacionada apenas ao nosso existir isoladamente dos demais. Somos seres de relação e somente encontramos sentido em viver sob esta perspectiva. Relacionar-nos conosco, com os outros e inclusive com os demais seres que habitam a nossa Casa Comum. Somos tão importantes quanto qualquer um destes seres que vivem a nossa volta. No plano de Deus, cada um de nós tem a sua razão de ser e todos nos completamos nesta dimensão cosmológica. Infeliz a ideia que compreende o ser humano como o mais importante do planeta. Por razões como estas, estamos destruindo tudo à nossa volta, gerando dor e sofrimento aos que aqui habitamos, fazendo a mãe terra agonizar-se.

Um clima de dor e revolta paira no ar. Alguns de nós estamos sendo movidos pelo espirito e sentimento de indignação. Indignar-se é ser preenchido pelo sentimento de oposição e revolta, provocada por uma circunstância injusta revoltante. Como a cena que mostra algumas pessoas com fome, pedindo os ossos descartados em uma fábrica de ração no Rio de Janeiro. Em pranto, disse o motorista, “antes as pessoas pediam ossos para levar para seus cachorros. Hoje, estão pedindo para levar para os seus familiares”. Triste país este, que possui o quantitativo de 20 milhões de pessoas passando fome. A dor da fome é cruel. Ver uma criança com fome, é de cortar o coração. Entretanto, entre nós há aqueles, que a dor do outro não dói em si. Por outro lado, a dor da indignação é muito forte, em muitos corações que ainda sabem ser solidários àqueles que passam fome e necessidades múltiplas.

Indignar-se é preciso, como forma de manter a nossa dignidade de seres humanos que se importam. O sangue da indignação percorre veloz as veias daqueles que olham para esta realidade e não se calam. Por outro lado, se o mandatário maior da nação, como grande mandrião, pouco se importa com o que está acontecendo no país, esta jamais poderá ser a atitude daqueles que se importam. A dor da indignação, como uma dor rotunda no peito, clama em nossos corações, por uma saída que seja menos dolorosa para aqueles que passam fome, sobretudo as nossas crianças. Muito embora, alguns de nossos governantes fazem aquilo de que já denunciava o filósofo iluminista francês Voltaire (1694-1778): “Encontrou-se, em boa política, o segredo de fazer morrer de fome aqueles que, cultivando a terra, fazem viver os outros”.

Um país cheio de possibilidades e que se transformou em um dos maiores produtores de grão do mundo. Entretanto, parte de sua população passa fome. Situação indignante, pois a terra é produtiva, mas encontra-se concentrada nas mãos de uns poucos. Os dados são alarmantes. De saber que 1% de nossa população, concentra em suas mãos (famílias) 49% das terras. Já passou da hora de os de baixo da pirâmide derrubarem aqueles que se encontram no vértice dela. Para isso, “vamos precisar de todo mundo. Um mais um é sempre mais que dois”, já nos dizia a canção do cantor e compositor mineiro Beto Guedes. Fechando o mês da Bíblia, serve-nos de inspiração a provocação feita por Jesus no evangelho de hoje: “A messe é grande, mas os trabalhadores são poucos” (Lc10,2) Na compreensão do Mestre Galileu, aqueles que não se indignarem contra todas as situações de injustiça contra os pequenos e não quiserem aderir à Boa Notícia do Reino, ficarão fora da nova história.


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.