A esperança como ato de rebeldia

Madruguei neste sábado. Vi o nascer do sol, tendo como perspectiva o túmulo do guerreiro. Entre o cheiro da flor de pequi e a brisa que soprava do rio. O silêncio entrecortado pelo banzeiro das águas do Araguaia, rumo ao desembocar no Tocantins. Ali, frente a frente com o poeta, fiz a minha prece, invocando a sua intercessão junto ao Deus de Jesus de Nazaré, a quem seguia com fidelidade. Rezei com a ajuda de um dos poemas de nosso profeta que assim começa: “Enterrem-me no rio, perto de uma garça branca. O resto já será meu. E aquela correnteza franca.” (Testamento)

Rezar com Pedro é encher o coração de esperança. Era assim em vida. É assim no silêncio de sua cova rasa. A esperança em si é um ato de rebeldia, dizia ele sempre que possível. Esperança que não decepciona, se vista sob a perspectiva freiriana. Esperança do verbo esperançar, afirmava Paulo: “Porque tem gente que tem esperança do verbo esperar. E esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo”. Esperança rebelde e resiliente, de quem faz a hora acontecer.

Esperança que não desanima nunca e nos faz atuantes na luta de libertação, defendendo as causas dos pequenos. Para Pedro, a esperança é antes de tudo um ato revolucionário daqueles e daquelas que se postam na luta cotidiana. Como seguidores e seguidoras do Ressuscitado, vamos renascendo a cada manhã, acreditando na possibilidade das mudanças necessárias. De esperança em esperança, como também dizia dom Paulo Evaristo Arns, o profeta da esperança e dos Direitos Humanos. Esperança que nos faz acreditar que o nosso êxito está na força da união de todos juntos, numa mesma direção. https://www.youtube.com/watch?v=1rhGICFfgsg

Me veio à mente quando cheguei na prelazia de São Félix do Araguaia. O ano era o de 1992. De padre jovem atuante na periferia da zona leste de São Paulo, bebendo da sabedoria de Dom Angélico Sândalo Bernardino, na Região de São Miguel Paulista para os 150 mil km2 da prelazia . Assim que cheguei e tomei contato com os povos indígenas, tive um aprendizado que não foi possível obtê-lo, mesmo passando pelas melhores universidades. O Povo Xavante, por exemplo, apesar de se organizar de forma clânica, quando estão diante de um objetivo comum do povo, passam por cima das possíveis divergências clânicas, para atingirem aquele objetivo comum. Nestas horas, o sentimento de pertença a um povo (A’uwê) fala mais alto, esperançando juntos.

Esperançar com o coração frente aos desafios que nos são postos a cada dia. Somos seres de esperança. Esperança que tem tudo a ver com o coração. Segundo a tradição bíblica, o coração é o espaço de recolhimento não somente da vida espiritual, mas abraça a pessoa inteira com todas as suas faculdades e atividades. Para o povo semita, todas as decisões, sentimentos e processos de pensamento advém do coração. Segundo esta concepção, o coração foi pensado para ser uma espécie de centro de controle e de decisões. Lugar onde temos a nossa vontade, nossas atitudes e intenções, fonte de pensamentos, ações e palavras. É no coração que reside, portanto o processo de decisão. Talvez por este motivo que o profeta Ezequiel tenha alertado os seus com estas palavras. “Darei a eles um coração íntegro, e colocarei no íntimo deles um espírito novo. Tirarei do peito deles o coração de pedra e lhes darei um coração de carne. Tudo isso para que sigam os meus estatutos e ponham em prática as minhas normas. Então eles serão o meu povo, e eu serei o seu Deus”. (Ez 11,19-20)

Coração esperançoso do mestre de Nazaré, que se fez pobre com os pobres e para os pobres da Palestina de seu tempo. Ele mesmo que nos alerta no texto do evangelho da liturgia de hoje: “O homem bom tira coisas boas do bom tesouro do seu coração”. (Lc 6,45). A mente pensa, mas é o coração que decide e faz as opções. É no coração se escolhe quais caminhos seguir adiante. É ele, coração que está em conexão com Deus é capaz de escolher a decisão mais acertada. “O coração tem razões que a própria razão desconhece”, já nos dizia o filósofo/teólogo francês Blaise Pascal (1623-1662). Aquilo que verdadeiramente sentimos nem sempre é colocado em prática pela razão. Esperançar com o coração é fazer aquilo que propõe Saint Exupery no seu O Pequeno Príncipe: “O essencial é invisível aos olhos, e só se pode ver com o coração”.

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.