A espiritualidade do amor

Sexta feira da Quinta Semana da Páscoa. Seguimos no passo a passo rumo à Pentecostes. Já estamos quase lá! A presença viva do Ressuscitado nos fortalece e anima nesta jornada. Por mais que as dificuldades se façam presentes no roteiro de nossa caminhada, o Senhor é conosco e reaviva a nossa esperança afinal, Ele é o amigo de todas as horas. Confiança, fidelidade e entrega, rezando cada dia inspirados pelo salmista: “Embora eu caminhe por um vale tenebroso, nenhum mal temerei, pois junto a mim estás; teu bastão e teu cajado me deixam tranquilo”. (Sl 23,4)

Rezei nesta manhã no silencio monacal de meu quintal, tendo este salmo como fonte de inspiração. Revi a minha trajetória de vida feita até aqui e de quantos caminhos por onde andei. Voltei no tempo e no espaço da memória, situando-me nos bons tempos dos estudos de teologia. Ali encontrei com um dos pensadores que mudou significativamente as trilhas por onde passei. Jacques Maritain (1881-1973), com o seu “Humanismo Integral”, moldou o meu pensamento, ajudando a me posicionar com a minha fé, de um cristianismo voltado para as questões sociais, sobretudo dos empobrecidos.

Cinquenta anos se passaram de sua páscoa. Este filósofo francês, cuja orientação católica, talvez tenha sido aquele que mais se aproximou do pensamento de Santo Tomás de Aquino (1225-1274), dando-lhe uma roupagem moderna e o aproximando das questões de nosso tempo. “Humanismo Integral”, escrito por este pensador e lançada em 1936, foi o meu livro de cabeceira que, na perspectiva de Paulo Freire, influenciou e ajudou-me a pensar a sua “Pedagogia da Ação” dentro das coordenadas de uma esperança de justiça no meu jeito de vivenciar a espiritualidade cristã. Recomendo a leitura.

Filosofia a parte, continuemos a nossa inserção com Jesus na sua prédica e prática do amor. Amor feito comportamento e não apenas como um mero sentimento. Seguimos com a nossa leitura orante do Evangelho de São João. Jesus que nos desafia no texto de hoje a amar sem medidas. A medida do amor, é amar na métrica d’Ele: “Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei”. (Jo 15, 12) Nosso jeito de amar deve ser do mesmo jeito de Jesus: amor serviço, doação, entrega, compromisso com a vida.

A mística e a espiritualidade do amor é fazer da vida doação total de si mesmo. Amar sem medidas e até as últimas consequências. Amor comprometido se fazendo serviço pelas causas do Reino. Bem que o padre Zezinho nos deu a receita, através de uma de suas canções, completando o texto do Evangelho de hoje: “Amar como Jesus amou. Sonhar como Jesus sonhou. Pensar como Jesus pensou. Viver como Jesus viveu. Sentir o que Jesus sentia…”

Amar na medida certa do amor. Amar sem medidas e na mesma proporção que nos amamos, como diz o segundo mandamento do Decálogo: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mt 22,39). O evangelista Mateus que faz uma transcrição daquilo que fora escrito no Livro do Levítico: “Não seja vingativo, nem guarde rancor contra seus concidadãos. Ame o seu próximo como a si mesmo”. (Lev 19,18). Nenhum de nós é capaz de amar alguém, sem que antes seja capaz de amar a si mesmo. A proporção do amor para com o outro é aquela que trazemos dentro de nós, acerca de nós mesmos. Ama realmente o próximo aquele e aquela que são capazes de verem no outro a mesma dignidade que há em suas próprias vidas.

A espiritualidade do amor se faz no compromisso e comprometimento que se tem com a vida. Com a vida dos que mais necessitam de cuidados, que são os empobrecidos e marginalizados. Quem ama somente a si, perdeu o elo da corrente que os une à proposta de Jesus. Infelizmente, este amor se desgastou e alguns dos nossos, deixaram se perder no corrimão da história, a mística do amor comprometido com as mesmas causas de Jesus. Perderam o sentido, na medida em que estas pessoas se deixaram levar por uma experiência de fé mais intimista e sacramentalista, ignorando por completo aquilo que os documentos da Igreja nos fez pensar numa proposta eclesial específica para a América Latina, amando e caminhando com os empobrecidos, como está descrito em no Documento de Medellín (1968): “A libertação é uma categoria teológica referida tanto à salvação escatológica como à superação de estruturas injustas que não permitem o pleno desenvolvimento humano neste mundo”. (cf. Introdução, n. 6).

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.