A essência do amor é amar

Sábado da Terceira Semana da Páscoa. A passagem de Jesus pela cruz abriu-nos um horizonte amplo de perspectivas. O martírio na cruz satisfez o ego da classe dirigente de Jerusalém, inclusive a religiosa, achando que estava pondo um fim no Projeto libertador de Deus, revelado em e por Jesus. Mal sabiam eles que, por trás do Filho, estava o Pai, em sintonia de um amor maior. Deus jamais iria permitir que o seu Filho amado terminasse os seus dias, emoldurado numa cruz. A vida triunfou sobre a morte e Ele Ressuscitou. Razão da nossa fé e do amor que toma conta das nossas entranhas com Ele.

A essência do amor é amar. Amar sem medidas e na gratuidade como Deus nos ama infinitamente, apesar dos nossos percalços. O amor é uma realidade presente em nós, mesmo que não o deixemos manifestar. Amor, não somente como um sentimento, um poema ou um sonho bom de uma noite de verão. O amor é a essência do nosso ser, criados assim por Deus. Saindo de dentro de nós, precisa ser concretizado em forma de ações, movidas pelas coordenadas deste amor. O amor é mais do que necessário para que possamos construir laços fortes de uma convivência fraterna do Reino que precisamos edificar. Ao deixar-nos ser conduzidos pelo amor essência, não seremos contaminados pelo ódio, pela inveja, pelo orgulho, pela mentira e todos os seus primos-irmão.

“O amor tem feito coisas, que até mesmo Deus duvida”, assim canta Ivan Lins. Amor que sobrou em Santa Catarina de Sena (1347-1380) Italiana de origem, filha de uma numerosa família de baixa renda, marcou época pelo imenso amor que carregava dentro si. Considerada não uma filha de seu tempo, mas a mãe dele. Uma mulher mística de uma espiritualidade sem medidas, fazendo parte da Ordem Terceira de São Domingos. Nos seus vários escritos, ela manifestou esta sua espiritualidade, mas foi na sua obra “O Diálogo” que conhecemos a sua profundidade. Sobre este livro, São Basílio assim se manifestou: “Há livros que merecem a leitura para serem conhecidos; outros, para serem vividos. Este, O Diálogo de Santa Catarina de Sena, pertence à segunda categoria.”

Amor que sobrou também em Jesus de Nazaré e faltou para os seus discípulos, como vemos no trecho do Evangelho escolhido para este sábado (Jo 6,60-69). “Muitos dos discípulos de Jesus, que o escutaram, disseram: Esta palavra é dura”. (Jo 6,60) Não foram somente os judeus que se escandalizaram com os ditos de Jesus, mas também os seus mais próximos. Comer a sua carne e beber o seu sangue era demais para a compreensão deles, mesmo que tenham feito uma longa caminhada com Ele. Jesus falando com amor, mas eles manifestando a sua resistência ao seu projeto, pensando de forma pequena.

Se bem observarmos, o contexto de hoje é aquele em que Jesus está concluindo o seu discurso na Sinagoga de Cafarnaum. Muitos se escandalizaram porque Jesus lhes havia revelado que daria o seu próprio corpo e sangue. Se antes, Ele havia falado da sua carne e do seu sangue como fontes da vida plena, agora Ele fala da importância das suas palavras: “As palavras que vos falei são espírito e vida” (Jo 6, 63). Mas não basta ouvir está palavra simplesmente. É preciso interiorizá-la, para que assim ela possa surtir o efeito desejado. Fazer da Palavra, vida. Ver Jesus através de sua Palavra. Ir ao encontro do outro (o irmão), movido por esta mesma Palavra. Todas estas são atitudes de quem escuta a Palavra com o coração inflado de amor. Para melhor assimilar a riqueza da Palavra de Jesus convém, além de ouvi-la com atenção, meditá-la em espírito de uma vida orante; estudá-la cotidianamente com os pés no chão, fazendo dela a vida que se vive. A Palavra alimenta o espírito, fortalece as ações e nos dá a convicção para fazer a coisa certa no memento oportuno. Escutar e testemunhar a Palavra com amor, para que assim possamos ser testemunhas da “Testemunha Fiel”.

O amor de Deus nos faz irmãos. A Palavra de Jesus nos orienta a viver esta mesma irmandade, construindo laços de igualdade e fraternidade. O “Verbo que se fez carne” é um de nós ressuscitado na pessoa do Filho que caminha com a gente. Seguir os passos de Jesus compromete e tem consequências. Muitos dos seguidores de Jesus ainda conservam a ideia de um Messias Rei, e não querem segui-lo até a morte, entendendo-a como fracasso. Ser fiel seguidor de Jesus exige a superação do medo de arriscar pelas causas do Reino. No corpo e sangue d’Ele doado, nos tornamos Eucaristia com Ele que nos amou até as últimas consequências. Que tenhamos em nós o “espírito petrino” e possamos dizer com convicção: “A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós cremos firmemente e reconhecemos que tu és o Santo de Deus”. (Jo 6,68-69)


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.