A fé e o conflito

 

Sábado da segunda semana da páscoa. Um sábado nublado pelas bandas do Araguaia. O sol entre nuvens propiciou mais um espetáculo magnífico na manhã deste dia. Um cenário esculpido pelas mãos do Criador. Cada manhã, Ele nos reserva um espetáculo diferente, mesmo que não tenhamos olhos sensíveis para observar e captar na sua magnitude e contemplar esta obra prima do Onipotente e bom Senhor.

Entrei no clima com tamanha maravilha e aproveitei para rezar contemplando tal cenário. Em meio a tanta dor e sofrimento, é necessário reabastecer-nos de fé e esperança, para continuar acreditando na vida. Cada dia que passa, temos um novo desafio a enfrentar. Infelizmente, alguns de nós não tem conseguido estabelecer este equilíbrio, para continua acreditando no amanhã. Cresce assustadoramente o número de pessoas que desenvolveram um quadro depressivo, por causa destes momentos de incertezas e inseguranças. A morte se aproximando, vidas sendo tiradas. Triste!

O medo se faz presente entre nós. Convivemos com ele em cada esquina das nossas vidas. Situação semelhante, estão vivendo os discípulos de Jesus no início da caminhada deles, no seguimento fiel ao Mestre/Messias. Pelo menos é o que deixa transparecer o texto do evangelho de hoje (Jo 6,16-21). Diante de homens assustados, Ele se faz presente e diz-lhes: “Sou eu! Não tenham medo!”. (Jo 6,20). Ao refletir sobre esta fala de Jesus, animando os seus, para que não se deixassem levar pelo excessivo medo, me vem a mente a passagem do Êxodo do dialogo entre Deus e Moisés: “Eu so aquele que sou” (Ex 3,14).

Deus que empodera Moisés restituindo-lhe a autoridade para que continuasse como interlocutor/mediador da libertação do povo. Com esta atitude, Deus lhe assegura que estará sempre com ele e que a libertação vai se realizar, pois a promessa de formar um povo, vai se cumprir. Um Deus sempre presente na história da humanidade e que quer ser invocado com este nome: “Eu sou.” O mesmo Deus que outrora esteve presente na história de libertação do povo hebreu, se faz também presente em Jesus de Nazaré, que se encarnou na história humana, para fazer a libertação acontecer pela ação de seus seguidores.

Mas nem tudo na nossa vida se resume a belos amanheceres e flores para se colher. A agonia da noite escura se faz presente na nossa caminhada de experiência de fé. Conviveremos permanentemente com o conflito. Viver a fé é viver também o conflito. Quanto mais próximos de Jesus estivermos, mais dentro do conflito estaremos. O fato de seguir a Jesus não significa que estamos isentos do conflito. Às vezes, é justamente o contrário. Sempre foi assim, desde a experiência das primeiras comunidades cristãs, as comunidades primitivas.

Somos seres humanos e como tal, limitados e passiveis de erros. É o que nos relata a narrativa dos atos dos Apóstolos na primeira leitura de hoje. Como se tratasse de seres humanos surge os primeiros conflitos, aos quais eles tiveram que apresentar uma proposta de solução ao problema ali vivido. Neste sentido, a comunidade toda dos primeiros cristãos, é chamada para examinar a questão e chegar a uma decisão. Ao contrário de muitas das nossas comunidades de hoje, lá o poder não estava a cargo de uma pessoa apenas, mas era compartilhado, tornando eficiente a partilha dos bens em favor dos necessitados. No caso pontual do contexto, as viúvas. É desta forma que surgem os ministérios na nossa Igreja, em resposta às necessidades concretas das pessoas. Ou seja, é a necessidade que leva a formar a organização das estruturas de serviço.

Viver neste mundo é estar em meio ao conflito. Conflitos sempre os teremos entre nós. Entretanto, o que Deus quer de cada um de nós não é a fuga deles, mas o enfrentamento. Como fez a os bispos brasileiros ao término da sua 58ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), de 12 a 16 de abril de 2021. Redigiram uma mensagem corajosa e profética à Igreja e a todo o povo brasileiro. Não usou de meias palavras, nem fugiu do principal conflito que ora estamos vivendo. Pelo contrário, foi direto ao assunto, como no trecho que se segue: “O Brasil experimenta o aprofundamento de uma grave crise sanitária, econômica, ética, social e política, intensificada pela pandemia, que nos desafia, expondo a desigualdade estrutural enraizada na sociedade brasileira… Tudo o que promove ou ameaça a vida diz respeito à nossa missão de cristãos. Sempre que assumimos posicionamentos em questões sociais, econômicas e políticas, nós o fazemos por exigência do Evangelho. Não podemos nos calar quando a vida é ameaçada, os direitos desrespeitados, a justiça corrompida e a violência instaurada”. A CNBB sendo a instituição que conhecemos ao longo da história, sem se eximir dos conflitos vividos pelo nosso povo, nas mãos de falsos messias inescrupulosos.